Polarização amorosa
O cupido só podia estar bêbado. Ou desempregado. Ou militando num sindicato de deuses decadentes, porque só isso explica a união improvável entre Carlos, um legítimo Macho Alpha — versão tóxica, radioativa e em extinção — e Juliana, feminista grau 18 na escala Richter, conhecida nas redes como “@VaginaRevolucionária”.
Ele era do tipo que pendura quadro do Bolsonaro na sala e chama o cachorro de "Mito". Ela dormia com “O Segundo Sexo” debaixo do travesseiro e tinha um alerta no celular pra xingar o patriarcado a cada 3 horas.
Se conheceram num aplicativo chamado “Pavio Curto”. Ele curtiu o perfil dela por engano — achou que “feminista” era signo. Ela deu match só pra poder denunciar depois. Mas a curiosidade venceu o ódio, e marcaram um encontro no Café Desgovernado, famoso por aceitar cães, criminosos, crianças e contradições humanas.
Logo na chegada, ele tentou puxar a cadeira. Ela quase acionou o botão do pânico.
— Não preciso da sua gentileza opressora, campeão — disse ela, já preparando um textão mental.
— Calma, moça, só tava tentando ser cavalheiro — retrucou ele, limpando o bigode com a manga da camisa regata com a estampa “Cerveja sim, mimimi não”.
O garçom, treinado em mediação de conflitos, trouxe dois cardápios: um com carne, outro com tofu. Carlos pediu costela no bafo. Juliana pediu empatia.
— Sabia que homens como você são responsáveis por 80% das catástrofes do planeta?
— Sabia que mulheres como você têm 100% de chance de acabar solteiras com 12 gatos e com ódio até do carteiro só porque ele é homem?
As faíscas da treta viraram fagulhas eróticas. Entre um insulto e outro, havia olhares lascivos. Um misto de tesão e ódio. O tipo de coisa que Freud explicaria com um suspiro e depois de encher a cara com conhaque.
Transaram no terceiro encontro. Ou no terceiro round, difícil dizer. Ela pediu luz apagada e igualdade de direitos. Ele tentou colocar funk no som e gritava “Chama no pai!”
No dia seguinte, ela escreveu em seu blog:
“Experiência antropológica: copulei com um exemplar do patriarcado. Reafirmo: é primitivo, mas sabe usar as mãos.”
Ele publicou no grupo de WhatsApp "Caveiras do Bar":
“Tentei converter uma feminista na base da testosterona. Quase fui cancelado, mas valeu cada arranhão.”
Discutiram no sexo, no Uber, no elevador, no mercado. Ela surtou porque ele falou “minha mulher”. Ele quase teve um AVC porque ela usava o pronome neutro “elu”.
No almoço de domingo, ela levou uma salada de quinoa. A mãe dele perguntou se era ração. Ele tentou mediar, mas confundiu “sororidade” com “sobremesa”. A mãe achou a garota mais estranha que um galo de três pernas: cabelo azul, piercing para todo lado e com uma conversa que parecia de comunista.
Durou 17 dias. Um milagre que Santo Antônio se recusou a dar declarações a respeito.
Como não há mal que nunca se acabe, decidiram se separar em uma live conjunta em que ela atacou o patriarcalismo e ele xingou, sem se preocupar com o baixo calão, o feminismo. Pena que ele confundiu liberdade com libertinagem e gênero com produto alimentício. No mais, foi um quebra pau interessante que pôs um fim a aproximação dos extremos.
Carlos e Juliana continuam vivos, o que é uma pena para a paz mundial. Ele agora namora uma influenciadora fitness que acredita que a Terra é plana. Ela se relaciona com um poeta andrógino que só se comunica por meio de haicais. Ambos dizem estar felizes, o que ninguém acredita. Nenhum dos dois admite, mas sentiam um grande tesão um pelo outro.