O ladrão de flauta


Desde tenra idade cobrimos nosso filho, 13 anos, de alertas de segurança. Como cruzar a rua, andar no carro só com cinto de segurança, não receber nenhum agrado de estranhos, nem acompanhá-lo a lugar nenhum, sem a companhia dos pais ou de algum parente, jamais deixar alguém, quer conhecido ou não, apalpá-lo ou retirar suas roupas. Sempre incentivamos a sinceridade e a honestidade, transparência sempre, jamais ter segredo conosco e não esconder nada dos pais.

Sempre tomamos o cuidado de fazer esses alertas sem provocar pânico ou insegurança. Quanto a assalto, sempre aconselhamos a jamais reagir, manter a calma, fazer gestos vagarosos para não assustar o assaltante, não discutir, se tiver dinheiro dar ao bandido, caso ele peça.

Damos sempre graças a Deus por nunca ter acontecido nada de anormal com a nossa criança e o incentivamos a agradecer a proteção divina.

Ele é uma criança, adentrando a adolescência, como qualquer menino de sua idade, tem gosto por tênis de marca famosa, cada semestre quer um de uma marca diferente, roupa da mesma forma. Sendo assim, alertei-o para o fato de o assaltante querer levar alguns desses apetrechos então pedi-lhe para não reagir, entregar o que o bandido pedir.

Estes dias aconteceu o inesperado, de forma inusitada. Nosso filho já estava a poucos metros do portão do condomínio, ele vinha da escola, que fica a um quarteirão de distância, acompanhado do primo da mesma idade. No momento em que o primo continuou seu destino para casa, meu filho teve que atravessar a rua, de pouco movimento, para chegar ao portão do condomínio. Andava de cabeça baixa, de repente escutou:

--- Ei, me dá o tênis!

Ele, calmamente, olhou de lado e viu um menino, menor do que ele, sozinho, com uma flauta doce na mão, apontando a flauta repetiu:

--- Ei, me dá o tênis!.

Ele sorriu para o moleque e disse:

---Que tênis que nada, cara, fica na tua.

O moleque voltou as costas para o meu filho e olhou para o outro lado da rua. Quatro outros moleques, alguns maiores e aparentando ser mais velhos que meu filho, estavam na calçada. Eles olharam pro pequeno assaltante e, com um sinal, o fizeram voltar e completar o serviço. Meu filho também viu aqueles meliantes na outra calçada, aí percebeu o drama, aproveitando a proximidade do portão do condomínio apressou os passos, mesmo assim, o pequeno meliante o acompanhou, batendo com a flauta em suas costas e pedindo:

--- Meu, me dá o tênis. Passa o tênis. Pára aí, me dá o tênis.

Nesta altura já tinha alcançado o portão e entrou ofegante no condomínio. Quando chegou em casa, eufórico, meio assustado, foi contando o ocorrido. Eu e a mãe ficamos preocupados, mas não sabíamos se ríamos da situação ou se o repreendíamos, por não ter seguido nossos conselhos, apenas o abraçamos e agradecemos a Deus por nada ter-lhe acontecido. Por fim perguntei-lhe:

--- Filho, por que você não deu o tênis pro moleque?

Ele esclareceu:

--- A pai, quando vi o moleque, menor que eu, com uma flauta na mão, me pedindo o tênis, eu ri e quis dar-lhe uns tapas, mas vi que do outro lado da rua tinha uns amigos dele, então tratei de andar o mais depressa que pude, se tivesse longe do condomínio eu teria corrido e, muito, mas como estava perto, eu vi que dava pra ir andando rápido. Deu certo, não deu?

---Claro filho, creio que Deus te deu presença de espírito para reagir assim, mas tome cuidado.