Ninguém falou

Naquele dia a Avenida Paulista virou um rio para se navegar;

Os carros luxuosos cheios de pretensão e consumo deram lugar a barcos românticos de Veneza;

Os arranha-céus curtos e poderosos do lado esquerdo tornaram-se montes mais altos que o Everest;

Os do lado direito tornaram-se torres de tijolinhos com varandas para os românticos se declararem e residência das mais belas meretrizes para os boêmios amarem;

O canteiro central virou atração principal, os que com a arte sonhavam puderam ali pintar, cantar, escrever e aos barcos suas obras doar.

A doença virou diversão e os hospitais deram-se a circos;

A maldade deu lugar ao verde, respirava-se bondade;

Ao fim da tarde, surpreendeu-me aquela noite, os postes onde corriam acelerada eletricidade, transformaram-se em gigantes castiçais.

O melhor aconteceu nos bancos onde o dinheiro deu lugar a poesias sinceras, cartas de amor e escritas novelas.

No Masp foi surpreendente, não se falava do Picasso, mas das obras seu José, Ah! que belas as obras de seu José...

No paraíso, ali estava lindo, crianças, gira-gira, pula corda e pipas, mas uma voz cansada dizia:

- Próxima estação: Ana Rosa

Não a de Chicuta que a Ana Rosa casou, mas a estação do metrô,

Abri os olhos, sofri, uma caixa apertada levava todos para casa, espremidos, endividados, sonhando com um teto, um carro, um luxo, o fim das dívidas...

E do amor, do amor ninguém falou...