Depois daquela Valsa

A última vez que eu o vi havia sido no meu aniversário de quinze anos. Naquela época eu era apaixonada por ele. Mas era uma paixão platônica como todas as outras. Um pouco mais forte talvez, temperada com alguma dose de loucura adolescente. Ele não me dava muita bola. A gente fazia educação física juntos e eu sempre conseguia uma maneira de jogar no time de vôlei dele. Uma semana antes do meu aniversário de quinze anos, criei coragem e lhe entreguei um convite. E para minha surpresa, naquele sábado à noite, ele compareceu. Lembro que minhas amigas se cutucaram, dando risadinhas, quando o Ricardo chegou na festa, lindo lindo. Minhas pernas ficaram bambas, fiquei num vermelhão e dancei a valsa com ele num êxtase até então nunca sentido. Na minha cabeça, aquilo era o início de um longo amor, que culminaria num namoro, noivado, casamento e muitos filhos. Eu era a garota mais feliz do sistema solar.

Ele sumiu. Depois da valsa, Ricardo simplesmente se escafedeu. As meninas disseram que após dançar comigo, ele havia saído por uma porta lateral do salão e ido embora. Terminei minha festa de quinze anos com a garganta doendo, fazendo força para não chorar. Guardo fotos daquela noite até hoje no meu baú de recordações. Elas registram minha tristeza num dia que era para ser de alegria.

Bom, vinte e cinco anos passados. Casei, ganhei nenê, descasei. A minha festa de quinze anos já era passado e eu lembrava daquela noite através de imagens desconexas. Levava uma vida normal, até receber o convite. Achei estranho quando cheguei em casa e encontrei um envelope todo cheio de estilo em cima da mesa de jantar. Abri, curiosa. Era um convite para um reencontro da turma do segundo grau. Meu coração se acelerou. Ricardo explodiu na minha mente. As aulas de educação física, a festa, a valsa. Ele certamente teria recebido o convite, caso ainda estivesse mantendo contato com alguém daquelas eras ou estivesse ainda morando na cidade ou se estivesse vivo. Ou todas as coisas juntas. A festa seria dali a três dias. Minha cabeça mirabolante sonhou mil coisas, como se eu ainda fosse uma adolescente bobona. Naquela noite e nas seguintes, dormi pensando em Ricardo.

A noite da festa chegou e eu estava nervosa. Mais do que na noite dos quinze. Fui com uma amiga que mal suspeitava do quanto eu ansiava encontrar Ricardo. Ainda mais agora que estava descasada e com uma dose de carência no coração. Será que ele ainda continuava bonito e popular? Ou velho-senhor-quarentão-barrigudo? Nossa, minha ansiedade era tanta que eu mal respirava.

Ele custou um pouco a das as caras. Eu até já havia desistido. Eu havia conversado com um monte de gente, circulado por todas as rodas. Nada de Ricardo. Quando finalmente me conformei, senti uma mão tocando meu ombro. Virei-me despreocupada, só para me deparar com Ricardo. Acho que fiquei num vermelhão. E, para meu deleite, ele havia se transformado num homem maduro, grisalho nas têmporas, muito charmoso. E ainda por cima, sorria para mim.

Conversamos alguns minutos e eu nem me lembro o que ele disse. Só gravei que ele estava casado com uma jovem de 24 anos, grávida de gêmeos. Não havia digerido ainda aquela informação, quando uma música parecida com uma valsa começou a tocar. Ele sorriu, talvez lembrando de algo no passado e me convidou para dançar. Lá fui eu para a pista de dança, tão tonta como na festa do meu debut.

Dançamos duas músicas. Ele me contou fatos sobre sua vida e eu mal abri a boca. Murmurei algumas coisas enquanto sentia a mão pesada dele nas minhas costas. De repente, a música virou um pagode e ele me levou de volta à mesa. Despediu-se de mim e saiu da festa, tal como fizera há tempos atrás. Observei-o saindo do salão, elegante e imponente e nunca desejei tanto que Ricardo houvesse se transformado num velho feio, barrigudo e com bafão. Agora ele estava indo embora da minha vida novamente, sem que eu tivesse chance nenhuma de alcança-lo. Será que eu teria que esperar mais vinte e cinco anos?

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 29/12/2005
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