ELE NÃO GOSTAVA DE MIM

Alguém me salve, pensei pela milésima vez. Alguém faça alguma coisa, implorei olhando para o céu. Estou perdida. Jurei que isto jamais aconteceria novamente.

Aconteceu. Eu estava apaixonada pela primeira vez em dez anos. Era para ser bom. O problema é que o meu objeto de desejo mal sabia que eu existia.

Ele olhava para todas as gurias. Menos para mim. Brincava e ria com elas. Menos comigo. Era simpático e agradável com todo mundo. E eu ali, invisível. Eu me retorcia, roia as unhas, mal dormia de noite. Emagreci uns três quilos em vinte dias. O que era para ser algo maravilhoso, se transformou em um tormento. Tudo isso porque ele não gostava de mim.

Nada que eu fizesse chamava a atenção dele. Tentei de tudo: cortei o cabelo, fiz luzes loiras, aperfeiçoei meu inglês para caso um dia eu tivesse que falar a língua na frente dele (nunca se sabe), comecei a fazer musculação para definir o corpo, via todos os telejornais para ficar por dentro de tudo o que estava acontecendo, ajudava os cegos a atravessarem a rua para que no caso ele visse, soubesse que eu tenho um bom coração, larguei minhas melhores fotos no orkut, aprendi a patinar, a cantar, a jogar futebol, enfim, fiz tantas coisas cansativas e que eu não gostava somente para tentar conquistar um coração duro e, que aquela altura do campeonato, eu já nem sabia mais se valia o esforço empregado.

Bom, tentei de tudo mesmo. No final, eu já estava loira, fashion, discutia qualquer assunto (até mesmo em inglês) e recebia elogios pelo orkut de caras que eu nem sabia que existiam. Por causa de um único homem. Um homem só. Fiz o que eu podia e o que eu não podia. Só não saltei de pára-quedas porque ninguém me emprestou um. E no final de toda essa minha jornada, concluí que de nada adiantou meu sacrifício, minhas dores, tudo resultou em nada. Ele continuou me ignorando, eu, a mulher invisível. Doeu. Mas antes que eu me entregasse às lágrimas, decidi lutar mais um pouquinho.

Naquela altura do campeonato, eu já tinha quase certeza de que ele não valia a pena mesmo. Era um galinha, metido, convencido. Mas era uma questão de honra para mim. Ou eu conquistava o desgraçado ou nunca mais me olharia no espelho. Então tomei uma atitude. Resolvi ir falar com ele. Engoli todas as minhas vergonhas, medos e nem me engasguei! Na primeira oportunidade que surgiu e que nos vimos somente eu e ele e mais ninguém, me plantei na sua frente e disparei:

- Eu sempre quis dar um beijo nesta tua boca.

Pronto. Dita essa frase de impacto, saí de perto dele e desapareci por dois dias. Algum tempo depois, fiquei sabendo que ele ficou me procurando feito um doido, perguntando quem eu era para todo mundo. Até que um belo dia ele me encontrou. Na verdade, não o achei nem tão galinha, nem tão metido e muito menos convencido. O meu querido era até um pouco tímido e toda a sua descontração nada mais era que um disfarce.

Bem, para ele mostrei todos os meus dotes de patinação, canto e dribles no futebol. Mostrei meu lado gentil continuando a ajudar os ceguinhos a atravessar as avenidas. Traduzi o inglês para o português como se tivesse nascido nos EUA. Por fim, nem eu me suportava mais. A minha auto-suficiência já estava me sufocando e eu resolvi voltar a ser eu mesma. Escureci meu cabelo e deixei que ele crescesse. Na academia eu só ia duas vezes por semana. E, mesmo assim, ele ainda continuou gostando de mim. Era um milagre pensava eu, tão apaixonada como antes, rezando a todos os santos que desta vez meu romance não acabasse em lágrimas de abandono. Mas, se um dia todo esse encanto se desfazer, pelo menos eu aprendi a jogar futebol.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 05/04/2008
Código do texto: T931929