Não Viveu Quem Nunca se Apaixonou

Caminhei uns dez passos para ver se ainda o alcançava. Depois, desisti. Desisti de tudo, inclusive. De ir atrás dele, de telefonar para ele, de comer, beber e viver. Depois que meu amor foi embora, fiquei três dias deitada na cama, isolada do mundo. Tentei compreender porque eu havia ido para o descarte. Logo eu, a última Coca Cola do deserto.

Esperei, nestes três dias, que o telefone tocasse. Atendi todas as vezes. Nenhuma era ele. A maioria era da minha mãe. Outras tantas das minhas amigas, quando souberam pela minha progenitora, que eu aguardava a morte num quarto escuro. De verdade, só fui levantar mesmo quando escutei dois estrondos.

O primeiro foi quando derrubaram com um pontapé a porta da frente do meu apartamento. Pensei que fosse um ataque terrorista. Nem bem estava recuperada do susto, o “ataque terrorista” foi parar dentro quarto. Era meu irmão, seguido pelo meu séqüito familiar, que botava abaixo todas as portas que me separavam da vida. Fui arrancada da cama sem dó nem piedade, enquanto eu calculava mentalmente o prejuízo daquelas portas arrombadas. Fui para a casa da minha irmã e até hoje nem sei quem mandou colocar as portas no lugar e quem pagou.

Aquele drama pessoal e por conseqüência, familiar, aconteceu há mais de três meses. Depois que ele foi embora e fui instalada à força na casa da minha irmã, nunca mais tive notícias daquele ser. Me pegava segurando com força o celular, torcendo para que houvesse ali uma chamada não atendida ou quando tocava o telefone convencional, dava um pulo para atender. Claro, não era ele. Nunca foi. Aos poucos fui me conformando com a ausência dele, como se fosse uma pessoa que tivesse morrido. Quando comecei a gostar mais de mim, então passei a ter raiva dele. Achei que foi a partir daquele momento que me considerei quase curada. Sim, o coração continuava ferido, mas já tinha forças para recomeçar. Aluguei outro apartamento e só apareci no antigo no dia da mudança. Estava disposta a mudar tudo, recomeçar minha vida, viver em paz. Naquele momento, não queria mais saber de amar.

No novo apartamento tudo era claro. Desde a parede até os tons dos móveis. Para me fazer companhia, adotei um cachorrinho de rua. Ele era clarinho também. Foi minha companhia naquele tempo em que desisti de amar. Trabalhei muito, viajei muito. Meu coração continuava fechado. Mas um dia eu tive um choque.

Eu dava uma palestra em uma outra cidade do país. Quantas pessoas no auditório? 150, por aí. Acostumada com isto, sempre lidei bem com público. Nunca tive medo de enfrentar uma platéia. Naquele dia, alguém diferente estava na primeira fila. É, ele era diferente, para não dizer especial. Entre tantas pessoas, aquele homem se destacava dos demais. Terminei minha palestra, enxergando somente os olhos dele, como se ele fosse o único que estivesse ali a me assistir. Voltei para o meu hotel, ainda inebriada. Quem ele era, o que fazia? Por que não viera me cumprimentar ao final da palestra? Meu coração estava batendo mais forte, vivo, mostrando-se ativo novamente. Ora, eu queria presentear meu coração com um novo amor, naquele momento. Mas certamente, eu nunca mais veria aquele cara outra vez.

Fui pegar meu avião, tentando esquecer minhas dores. Quando chegasse em casa e meu cachorrinho fosse me receber, eu seguramente esqueceria de tudo. Acomodei-me na poltrona e cravei meus olhos na janela, esperando o avião levantar vôo. Alguém sentou ao meu lado, mas não me prestei para ver quem era. Não estava a fim de papo, apenas queria escutar meu coração.

Senti um leve roçar no meu ombro. A pessoa ao meu lado parecia querer falar comigo. Nem acreditei. Imaginei eu tentando criar assunto durante quatro horas para ser simpática com alguém que não conhecia. Virei o pescoço com uma cara de poucos amigos. Quase surtei.

Era ele. Ao meu lado, no mesmo avião, indo para o mesmo lugar. Meu coraçãozinho machucado deu tantos pulos que eu achei que ele escutaria tudo. Nem senti quando o avião decolou e as quatro horas passaram com a velocidade de duas. Quando a aeronave aterrissou, eu já me sentia apaixonada. Sentia-me uma bobona, uma guria de 15 anos. Chovia, mas eu enxergava o sol brilhando em cada esquina. Meu coração estava vivo, outra vez. Não viveu quem nunca se apaixonou.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 07/01/2006
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