Kenji Harima, o Peregrino I

Kenji Harima, o Peregrino

1 - Despertar

Após um tempo indefinido e de agonia, de memórias desvanecidas e consciência vacilante, finalmente posso acordar. Meus olhos se abrem em um rompante e meu corpo se estremece, afastando o frio que pretendia tomar a minha vida. Tento me pôr de pé, mas uma força muito maior do que a gravidade parece me esmagar no chão. Procuro encontrar calma, verificar se posso sentir meus membros e analisar onde estou.

Parece um tranqüilo bosque. Minha mão direita está mergulhada na margem de um tímido córrego de águas mornas. Posso ouvir pássaros nas árvores próximas e um cervo bebericando deste mesmo córrego metros à frente. Não parece haver mais ninguém além de nós. Meu corpo dantes entorpecido agora dá sinais de vida. Vagarosamente, ergo meu tronco o suficiente para me pôr de joelhos.

Minha visão se torna oscilante e embaçada, seguida por um enjôo brusco. Levo as mãos ao rosto instintivamente, tentando controlar aquelas sensações. Mas o pior viria depois: a dor. Excruciante, começa no coração e espalha-se pela coluna até a cabeça. Como se milhares de espadas perfurassem meu corpo.

Cada lâmina, porém, me traz uma visão. Parecem memórias. Faces familiares, cidades, batalhas. Não posso me recordar de seus nomes ou dos fatos em si, mas reconheço-os. Perdido em meio à dor, me apóio em uma rocha e me levanto. Felizmente, ela se esvai em poucos segundos, deixando apenas um nome gravado em minha alma: Sophie.

Perscruto novamente os arredores em busca de outras pessoas e percebo que o cervo se foi. Teria ele se assustado com minha súbita ‘ressurreição’ ou eu havia gritado? Sinceramente, não importa. Não sei quanto tempo estive aqui, nem mesmo quem sou. Estranhamente, não existem pegadas ou rastros que me indiquem como cheguei até aqui. Escolho uma direção a esmo e começo a andar, esforçando-me para seguir em uma linha reta.

Caminhando trôpego, começo a notar minhas vestes. São negras tal qual ébano, com amarras e reforços de couro. Além de sujas, estão rasgadas em alguns pontos. Com mais exatidão, pontos vitais. Talvez sejam resquícios de uma luta recente, muito embora eu não esteja ferido em parte alguma. Mais uma vez me pergunto que pessoa sou eu.

Em uma brusca iluminação, outro nome brota de minhas fugazes memórias, surgindo pelos meus lábios involuntariamente. Kenji... Harima. Deve ser este o meu nome. Durante as cinco horas de caminhada seguintes, esta é a minha única descoberta. Preciso desvendar o que acontecera comigo. Descobrir quem é Sophie e porque seu nome me atormenta. Mas antes devo recobrar minha saúde. E com este objetivo em mente, me esforço ainda mais a andar.