É de manhã

É de manhã, na avenida ao lado, todos aqueles carros apressados. Os ônibus cheios de pessoas sonolentas procuram manter tudo normal. Os patrões sorridentes, os empregados trabalhando, todo aquele dinheiro girando e é claro, nas esquinas os mendigos mendigando, o que nunca deixou de ser normal.

Me pergunto se está certo insistir nessa vida que nos impõem. Me pergunto se teria coragem de me despir, ficar completamente nu e entrar numa floresta, e dela conseguir roupas novas, um novo cardápio e perder a noção do tempo.

Ampliar meus sentidos, sempre andando em busca de calor e comida, vivendo a vida a cada dia, vendo todo dia o sol nascer, a lua aparecer, a chuva caíndo, o vento uivando, a grama molhada, o gosto da fruta. O pulmão já teria se esquecido dos milhares de cigarros que teve que suportar por culpa das frustações e de todos aqueles anos mal vividos. O corpo todo agora chegava à perfeição, podia sentir o sangue correndo pelas veias, uma folha caíndo atrás de mim e o cheiro do mato perfeitamente identificado. Subia em árvores muito bem, colhia as melhores frutas, via as mais belas paisagens e cantava com os pássaros. O mundo agora era uma enorme massa viva, eu fazia parte dela, ela me aceitara.

Sem querer olhei para o relógio na mesinha ao lado e todo aquele mundo se transformou em um quartinho com um guarda-roupa, uma mesinha, uma janela e a minha cama.

- Merda! São 07:15, eu vou perder o ônibus.

Nuno Négrier
Enviado por Nuno Négrier em 26/05/2006
Reeditado em 26/05/2006
Código do texto: T163189