ENTRES GRILOS, MAÇAS E PASSARINHO

Certo dia, ao encontrar o amigo Passarinho na fazenda do Dr. Eraldo, o Grilo indagou:

- Por onde andavas, Passarinho... a tempo que não te vejo!

- Por aí, meu velho... conhecendo outros mundos!

Depois de colocarem o assunto em dia, o Grilo quis saber porque o Passarinho não estava a bancatear-se na fazenda do vizinho, Capitão Anastácio, o mais respeitado produtor de maças da região.

O passarinho, com perspicácia que lhe era natural, convidou-o para verem as macieiras que por lá havia frutificado com muito mais viço, beleza e cor do que qualquer outra que já vira.

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Quando lá chegaram, o Grilo não se conteve em testar a paciência do amigo:

- Já que você diz que anda tão viajado, já viu maças tão lindas e apetitosas como essas?

O passarinho fez de desentendido e, começou a cantarolar alegremente. O grilo insistiu.

- E aí amigo, qual é seu veredicto para tal obra da natureza!

O passarinho respondeu laconicamente:

- Silicone.

- Silicone? - indagou o outro assoberbado.

- Exatamente, meu caro.... silicone vegetal.

Com ares professoral, explicou:

- é a nova moda do bicho homem... para enganar os incautos, está bombando as plantas com energéticos químicos para elas ficarem assim, com esse jeito perfeição e de coisa gostosa.

- Mas a natureza permite... essa anomalia, como você mesmo diz?

- Não sei se permite... mas que engana muito gente, engana. .

O grilo ficou duvidoso da afirmação do amigo. Será que o passarinho sabe o que está falando ou está só de lorotas? - quis saber.

Para o grilo, que freqüentava a casa grande e, compartilhava das conversas do bicho homem, por mais que não quisesse acreditar, aquela afirmação bem que poderia ser verdade.

Já presenciara tamanhas isquisitices do bicho-homem que mais uma menos uma não faria diferença nenhuma. Lembrou-se que, certa vez, viu a patrona do casarão com uma coisa tão medonha na fuça, que mais parecia massa de pastel com resfriado. E mesmo assim, ela se sentia linda, maravilhosa e poderosa.

Por tudo e contra tudo, o grilo não se dera por satisfeito. Ressolveu lançar um desafio para colher mais informações do amigo.

- E aí, passarinho, não vai dar uma bicada nessas maças apetitosas?

- Que nada amigo, não tenho tempo para perder com essas fingidas. Elas teimam ser o verdadeiramente não são.

- Como assim, amigo? O que você quer dizer fingir, se o que vejo, é um deslumbramento da perfeição. Um deslumbramento que me dá água na boca.

- Não se deixe levar e governar pelofacínio dos olhos, amigo. Depois que o bicho homem inventou o silicone, tudo é possível. Até mesmo fazer uma pedra parecer uva.

- Estás a delirar passarinho. Para quê o bicho homem faria isso?

Naquele exato momento, quando os dois amigos tagaleravam no pomar, o passarinho observou que fazendeiro cruzou o amplo jardim da casa e se dirigiu para o alojamento dos empregados.

- Monta no meu pescoço. convidou o passarinho.

O grilo aceitou o convite. E lá foram eles no encalço do bicho homem.

O alojamento dos empregados ficava à uma boa distancia da casa grande. Tinha varias acomodações individuais e um grande salão central que era conhecida como refeitório. Exceto o cômodo da cozinha, não se observava movimentação de pessoas.

O bicho homem bateu na porta e gritou: Rita!

Lá do fundo da cozinha, uma moçoila espigada e de seios fartos, correu para atender o chamado trazendo na face um sorriso cúmplice.

Lado a lado, cruzaram o corredor e foram para o cômodo dos fundos da modesta construção.

O Grilo observou que aquela fêmea não era tão espantosamente bonita e elegante como a patrona. Não carregava na cabeça a touceira de capim dourado, e não farfalhava as vestes coloridas como se fosse uma bananeira de sete cachos.

Mas que era fêmea de bicho homem, isso era. Se bem, que, aos seus olhos, nada pudesse destacar de espetaculoso.

- Não estou entendendo o que o amigo quer me mostrar...

- Fique calmo, ou melhor: fique frio; como diz o bicho homem.

O grilo não pode deixar de observar que, quando o casal adentrou o cômodo pequeno, o bicho homem roçou a mão nas ancas da fêmea e que ela soltou um gritinho desprovido de negação.

- Espera um pouquinho... alguém pode ver. Sussurrou ela.

Não tardou muito, a dupla de fiscal da vida alheia, ouvia, com desdém, os queixumes prazerosos do casal apaixonado.

(- Ai! não... deixa que eu tiro... eu gosto de primeiro ver...

- Mas você está me machucando...)

Como já se passara mais de meia hora, e o casal permanecia trancado no cômodo, o grilo indagou.

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- Tudo bem, amigo... sei o que estão fazendo lá dentro, Mas o que isso prova? Ou melhor: o que tem haver com as maças?

O passarinho sorriu e professorou:

- Froidy explica.

- Pó!, amigo... você retornou ainda mais abobado. Quem é esse tal de Froidy?

- É simples... e a psicanálise justifica: para o bicho homem; as maças mais espetaculosas são as mais caras e mais cobiçadas. Contudo, por uma razão que desconheço, seu desejo de prazer se torna insaciável quando degusta o fruto ainda na sua essência selvagem.

Antonio Virgilio Andrade
Enviado por Antonio Virgilio Andrade em 25/08/2006
Reeditado em 25/08/2006
Código do texto: T224812