Som e fúria: prenúncios da tempestade

Do passado distante cavalgando em relâmpagos, ela veio.

O choque de seus cascos contra as nuvens era como o trovão, que prenunciam a tempestade e a tragédia.

O Som dos trovões era a voz de antigos e caprichosos Deuses que vinha do início dos tempos até o fim dos dias e além.

Um raio fulgurante atinge a Mãe-Terra, berço gentil de toda a vida e palco dos eventos que tomarão forma e lugar no seu devido tempo.

Ela sofre e chora a ferida causada em seu ser. Em resposta ao seu lamento, os céus se fecham em luto pesado e depois desabam na forma de poderosa chuva.

As águas que caem dos céus lavam a ferida exposta. Logo em seguida as nuvens negras se afastam, dando lugar ao azul do céu e permitindo que os raios de sol iniciem o processo de cura.

Ventos suaves sopram a cicatriz deixada pela fúria da tempestade, que com o passar das eras, irá cicatrizar sem nunca se fechar.

Mas o rugido do trovão ecoa ao longe, fazendo toda Terra tremer.

Em seus lares, a humanidade se encolhe e ora aos seus Deuses para que o clima os poupe dos seus rigores.

Na calada da noite, som e fúria se combinam e se fundem. Desta união, nascem o relâmpago e o trovão que juntos, convocam os ventos que por sua vez, trouxeram nuvens negras e rancorosas.

O vento chegou raivoso, batendo portas e janelas, estilhaçando vidraças e levando para longe as roupas que estavam no varal.

Júlia levantou-se desorientada e olhando ao redor. Estava tendo um sonho muito estranho, quando foi acordada pelo som de janelas batendo. Lá fora, o vento uivava selvagem.

Ela olhou para o relógio: eram duas horas da madrugada. As cortinas nas janelas esvoaçavam freneticamente.

Júlia foi de cômodo em cômodo da casa, fechando janelas que ela jurava que havia fechado antes de se deitar e verificando se as portas estavam trancadas. Da janela da cozinha que dava para a área de serviço, ela constatou que a ventania havia arrastado a roupa que estava estendida no varal. Não adiantava sair com aquele tempo, pois não ia conseguir recuperar nada.

Ela pôs água no fogo para preparar um chá. Que ela se lembrasse, não havia previsão da meteorologia para uma mudança de tempo tão brusca. Mas isso acontecia o tempo todo e acertar, era a coisa que a previsão do tempo menos fazia.

Sentou-se à mesa da cozinha e enquanto esperava a água ferver, tentou se lembrar do estranho sonho. Ela estava sonhando com relâmpagos e trovões e foi acordada pelo

sons de janela batendo com o vento. Com certeza, a tempestade eminente causou seu sonho... era a única explicação.

Mas e as outras coisas no seu sonho? Ela se lembrava de pouca coisa, mas havia uma sensação estranha... uma fragilidade misturada com tristeza.

Um trovão fez toda a casa tremer e a assustou. Nessa hora era se recordou do seu sonho. Se lembrou dos relâmpagos, dos trovões e das vozes furiosas que reverberavam através do tempo.

Julia se levantou assustada. Olhou para o fogão. A água havia secado na panela. Ela desligou o fogo e subiu correndo as escadas que levavam ao seu quarto. Ao entrar, ela trancou a porta, pulou na cama e se cobriu até a cabeça. Sentiu-se tola, como quando era criança e ficava assustada e encolhida debaixo das cobertas. Assim, ela se sentia protegida... nada poderia acontecer com ela dessa maneira.

Outro trovão mais forte ressoou. Ela se encolheu e tapou os ouvidos.

Lá fora, som e fúria se combinam.

É o prenúncio da tempestade... é o voz que ecoa desde o início dos tempos até o fim dos dias e além.

A tempestade está chegando... e com ela, a mudança.

Júlia deu um pulo da cama quando o relógio despertou.

Eram sete horas. Ela olhou a claridade que entrava pela janela e concluiu que estava fazendo sol.

Sentou-se na cama e olhou ao redor, ainda meio desorientada. As janelas do quarto estavam todas fechadas. Ela se levantou e olhou por uma delas. Realmente fazia sol. Ela pôs as mãos no vidro e sentiu o calor agradável.

“Foi apenas um sonho tolo” – disse para si mesma.

Bem, era hora de deixar essas tolices de lado. Teria um dia bem cheio pela frente.

Ela tomou um banho, se vestiu e desceu as escadas em direção à cozinha. Não haveria tempo para tomar café de verdade, por isso ela pegou um pacote de biscoitos no armário e pôs na bolsa.

Quando já ia sair da cozinha, olhou par o fogão e viu que havia uma panela em uma de suas bocas. Aproximou-se cautelosa e olhou para dentro dela. Estava vazia.

Julia balançou a cabeça. “Com certeza, devo ter esquecido a panela aí” – pensou hesitante.

Com passos vacilantes, ela se aproximou da janela que permitia a visão da área de serviço e olhou.

Não havia nada no varal. Alguns pregadores permaneciam presos nele, mas não havia nenhum sinal das roupas que ela sabia que havia posto para secar.

Júlia sentiu o mundo ao seu redor girar. Então... o sonho... a tempestade. Tudo aquilo, o que era? O que significava?

Tanta confusão... tantas perguntas.

E a única resposta, foi o som de um trovão, vindo de algum lugar ao longe.

O quão longe, vocês não podem imaginar.

Denis, O Dreamaker.

26/09/2008-11:11

Nota do Autor: Enquanto escrevo, o som de trovões pairam no ar e a chuva cai ruidosa.

Comecei à escrever sem saber sobre o que escrevia.

O tempo estava feio e ameaçava chover. Me lembrei da sensação de fragilidade e medo que sempre me assolaram diante do som dos trovões e o brilho dos relâmpagos.

Quis colocar estes medos no papel, apenas para registrar a idéia para posteriormente utiliza-la em algum outro conto ou história.

Júlia surgiu do nada, pois não haviam personagens previstos.

Perto das últimas linhas, os trovões roncaram altos e a chuva veio.

Seria um sinal? Talvez.

Sou estudante e praticante de Magia e ontem antes de dormir, lá pelas uma e meia da manhã, estava consultando um livro sobre o assunto (Sonhando com os Deuses, de Scott Cunningam), quando me deparei com um papel entre suas páginas, onde reconheci a minha letra e se lêem as seguintes palavras:

“Disseram que os nossos Deuses não existem...”.

“Ou se existem ou existiram, nos abandonaram...”.

“Mas o trovão ainda está conosco nessa terra distante...”.

25/10/2004

Lembro-me de ter lido algo parecido no livro Deuses Americanos, de Neil Gaiman.

Este autor sempre foi, é e será fonte de grande inspiração e influência nos meus trabalhos.

A passagem e menção do termo “Som e fúria”, é uma homenagem minha feita à história “Som e fúria”, publicada na edição número sete da revista “Sandman, o Mestre dos Sonhos”, também de autoria de Neil Gaiman e editada no Brasil pelos idos de 1990.

Enquanto escrevo, relâmpagos brilham e trovões rugem. O céu está escuro e a chuva cai impiedosa.

À todas as influências, convergências e coincidências que me trouxeram até aqui: o seu recado está dado.

Suas presenças ainda são sentidas e suas vozes ainda ecoam desde o início dos tempos até o fim dos dias e além.

Denis, O Dreamaker.

26/09/2008-11:49

Confiram outros textos inéditos de minha autoria nos meus blogs:

Zona Literária (https://minhazonaliteraria.blogspot.com)

Terra dos Sonhos (https://sonhosdesperto.blogspot.com)

Caso gostem dos conteúdos, comentem e interajam!!!

Denis (Dreamaker)
Enviado por Denis (Dreamaker) em 23/05/2010
Reeditado em 16/02/2024
Código do texto: T2274580
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