CIVILIZADOS EM UMA ILHA DESERTA

Estamos em uma ilha.

Um paraíso muito bonito e distante. O contato com a natureza é tamanho que chega a me assustar. Ouço barulhos estranhos à noite. A escuridão me apavora. Só as ondas do mar trazem paz e conforto. A suavidade com que toca a areia é a mesma de um lindo caso de amor.

Fomos à ilha a procura de um tesouro. Mas, não de um baú de jóias, daqueles dos filmes de piratas, escondido em alguma caverna. Mas, de outro tipo de bem. Talvez um dos mais completos: "Paz".

A cidade grande está turbulenta demais. O trabalho estressante. O ônibus, o trem, o metrô. Essa é uma experiência de férias. Não sei se a melhor ou pior de minha vida. Ainda não sei se encontrei o que estou procurando. A herança de nossos irmãos nativos, paira sobre cada um de nós; e, o espírito aventureiro, de viver em tendas sob árvores frutíferas é o sonho oculto de cada um.

- Bom dia Clarisse, como passou a noite?

- Ouvi um barulho estranho. Parecia que algo enorme estava se aproximando da minha barraca. Enfiei-me no saco de dormir e só não morri sufocada porque o medo era maior.

- Eu também, minha amiga. Será que é este o paraíso que estávamos procurando? Estou com saudades da minha cama quentinha, do meu travesseiro, de fazer xixi no banheiro e tomar uma boa ducha.

- Ora Talita, não viemos aqui nos livrar do luxo da cidade?

É, acho que o espírito nativista de minha amiga é bem maior que o meu...

Os dias passam calmamente. Muito calmos para o meu gosto. Cada dia tem 48 horas, portanto, não ficaríamos alí por quinze dias, mas sim trinta. O jeito é me adaptar; afinal estou vivendo o sonho de muitos; calma, paz, tranquilidade...

- Olha o café da manhã! Biscoitos e frutas nativas!

Carlos é o nosso mestre-cuca. Com um fogareiro improvisado faz nossas refeições. Trouxemos muitos suprimentos. Não queremos passar fome. não sabíamos o que nos esperava. Os enlatados são a minha comida predileta. Já, meus amigos naturalistas se divertiam entre bananas, cocos e laranja da terra.

Todos parecem felizes. Cantorias ao som do violão ao entardecer, à luz de uma fogueira que queimava quilos de batata e peixe fresco.

Já se passaram 7 dias no Paraíso, portanto 2 semanas na civilização, e eu, continuo firme, mas não tão forte.

Hoje é domingo e vamos explorar a ilha. Abrimos caminhos e trilhas e encontramos uma linda cachoeira que nos forneceu um gostoso banho de água doce. E, foi a salvação, pois o nosso estoque de água mineral está ghegando ao fim.

Clarisse e eu, somos as mais despreparadas da expedição. Entre tombos e escorregões seguimos no passeio; afinal, não somos exploradoras, nem tão pouco aventureiras; fomos no embalo dos amigos e quase acabamos com a festa. Morremos de medo de tudo. Cobras e lagartos vivem em nossos sonhos, quando conseguimos dormir. E os mosquitos? Clarisse amanhece inchada todos os dias e eu gasto litros de repelente e de nada adianta. Parece que os mosquitos sabem que não gostamos deles e a recíproca é verdadeira.

- Vem Talita, vamos dar uma volta de barco. - Convidou-me Daniel, como o empenho de quem já notara que a minha empolgação está se esvaindo. O mar me enjoa, as ondas parecem ter brigado com a areia pois, eu já não estou vendo a mesma suavidade em seu toque.

Os dias se arrastam, até que chegou o tédio completo e resolvi voltar. Deixei para trás meus amigos, até mesmo Clarisse; aluguei um barco e retornei ao ar puro da cidade. Puro sim! Não me enganei. Descobri que os meus pulmões já estavam habituados à poluição. A minha mente condicionada ao holocausto do trânsito, à ânsia pelo trabalho, à correria das ruas. Descobri que nós, humanos civilizados, nos transformamos. Nossos organismos não conseguem mais acostumar-se à calmaria. O estresse é o nosso impulso. O conforto de nossas casas jamais será trocado por uma tenda a beira da mais bela praia, se não houver televisão, geladeira, em fim, luz elétrica. Tornamo-nos insensíveis até a natureza, por isso, não nos importamos em destruí-la. E me assustei, quando não me enjoou o cheiro do mangue. Que horror!!! Descobri que não posso viver sem os engarrafamentos. Estarei ficando louca???

Não. Viver naquela ilha, trouxe-me à realidade e até por que não dizer, a felicidade, pois, conformei-me com a vida que devo prosseguir e não me aborreço mais, quando um louco me dá uma fechada no trânsito e ainda me xinga, ou quando um guarda me pede uma "cervejinha" para não me multar, porque esqueci a maleta de primeiros socorros; nem mesmo quando o dia, ao invés de 24 parece ter 12 horas.

Na cidade, vive-se a metade do que se poderia viver, mas vive-se. Na ilha, talvez eu vivesse o dobro, mas não viveria nada.