Quem você vai chamar? (Carta 2 - Baskerville)

*Paro aqui de usar a carta de Mr. Michaelson porque ela é por demais extensa e detalhada. Se quiser, no futuro, pode ler à vontade. A próxima carta é de Mr. Henry Baskerville, que fez o melhor retrato de seus companheiros de caçada entre os que escreveram.*

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(...)Era bem cedo na manhã quando nos encontramos na estação ferroviária. Reconheci logo Oakwood, com suas roupas maltratadas e cabelos loiros rebeldes. Ao lado dele, estava um jovem de cabelos brancos e trajes pesados brincando nervosamente com um chapéu, que me foi apresentado como o superintendente Michaelson.

– Boa tarde, cavalheiros. Como vai, Oakwood? – cumprimentei-o e me virei para seu companheiro: – Sou Henry Baskerville, rapaz. Será um prazer caçarmos juntos.

Enquanto ainda trocávamos amenidades, fomos abordados por um jovem alto e ruivo, vestido de preto da cabeça aos pés. Tinha um ar sério, quase melancólico, e seu passo era firme. Ele era acompanhado por um homem tão alto quanto ele, magro e pálido, com um enorme bigode negro. Havia algo de animalizado naqueles lábios muito vermelhos e nos olhos negros e penetrantes.

– Desculpem eu demorar – o ruivo disse, contrito, com um forte sotaque estrangeiro. – Meu amigo insistiu em estar comigo e não consegui impedir.

– Dr. Van Helsing, suponho – Oakwood se adiantou. O jovem confirmou. – Fico feliz que tenha aceitado meu convite. Seu amigo seria...?

– Conde Vlad Drácula, da Valáquia – ele disse, mostrando um sorriso afiado. – Bram jamais me convenceria a não me divertir massacrando alguns mortos-vivos.

Michaelson apertou a mão dele com um ar de desconfiança.

– Fico me perguntando por que um vampiro, e dos bem antigos, perderia tempo com esse tipo de missão.

O Conde se virou para o Dr. Van Helsing com um trejeito de desdém:

– Explique pra esse menino de asa, você sabe tão bem quanto eu. Tudo o que eu quero agora é uma cama. Essa maldita claridade está acabando com o resto do meu humor, que já não é grande coisa.

– Desculpe a falta de modos de Vlad, Sr. Edward – o doutor respondeu, lançando um olhar de lado ao amigo. – Até agora, seu interesse por a missão é apenas lúdica. Eu sou fiador dele e responderei por seu comportamento. Se ele fizer qualquer coisa para se envergonhar, acertará contas comigo.

Nesse ponto conde lançou-lhe um olhar aborrecido e cruzou os braços. Oakwood aproveitou a brecha:

– Cavalheiros, acho melhor continuarmos nossa conversa dentro do trem. Receio que será longa. Temos assuntos mais urgentes a tratar que as motivações de Sua Graça, e qualquer ajuda será bem-vinda.

***

O conde se apoderou do beliche superior da cabine do trem e ressonava tranquilamente. Enquanto isso, Oakwood fazia sua preleção. Ele começou dando mais detalhes da situação (...), terminando com uma rápida apresentação do equipamento que usaríamos. Não parecia uma missão particularmente difícil – isso é, caso suas armas funcionassem como ele dizia – mas uma enxurrada de revenants sempre complicam um pouco as coisas.

Mr. Michaelson ouvia tudo com um ar fúnebre, como se fosse sua sentença de morte. Eu já estava acostumado a lidar com demônios, então, não entrei em pânico. O doutor também parecia bastante composto. Suas mãos estavam firmes quando ele pegou uma espécie de caixa metálica presa a um pedal por um longo fio.

– E isso, o que é?

– Era para ser um módulo de contenção de entidades imateriais, mas ele não funciona – respondeu Oakwood. – Não sei o que há de errado, já que a teoria parece consistente.

Daí, seu pai e o Dr. Van Helsing entraram em tal ímpeto criativo que percebi que não me ouviriam. Com isso, resolvi puxar uma conversa com Michaelson. Não seria fácil. Eu nem imaginava algo que não soasse tolo, então, disse a tolice que me pareceu menos tola.

– Então... você é neto de anjos, hein? Que coisa. Desculpe a curiosidade, mas por que tanta roupa? Isso é moda no céu?

– É culpa disso – Michaelson estendeu a mão. A borda da manga de seu sobretudo amarelo se dissolveu em uma névoa dourada, e se solidificou na mão dele na forma de um lápis dourado. – Tenho uma quantidade de matéria celeste impregnando o meu corpo e que posso manipular à vontade. O problema é que isso tem um preço: se alguém carregado de emoções negativas tocar em mim, a pessoa se queima seriamente. Mais que isso, se eu tiver emoções negativas, eu me queimo. É a garantia do céu de que não usarei esse poder para o mal, entende? Mas limita minha interação com as pessoas.

– Que coisa...

Ele quis saber sobre minha experiência com o Cão, e contei algumas histórias de meus encontros com o demônio. Ele era um ouvinte atencioso e inteligente, e ficou tranqüilizado quanto às minhas capacidades. Logo, pedi para que ele me contasse sobre seu trabalho na Scotland Yard. Pelo que havia entendido até o momento, ele era o chefe da divisão de ameaças sobrenaturais, além de manter o controle e o registro de cidadãos não-humanos de Londres. Michaelson me contou alguns casos muito interessantes, e pude entender parcialmente sua desconfiança contra o Conde. De repente, ele quis saber:

– Ouça, Baskerville, Oakwood está pagando vocês? Por que você resolveu lutar essa luta que não é sua?

– Na verdade, temos um acordo – apressei-me a esclarecer. – É mais uma troca de favores. Veja, minha família é natural do Devonshire, mas dificuldades financeiras terríveis nos levaram a sair de nossa propriedade ancestral e nos dividirmos pela Inglaterra. Com isso, certos preparativos que fazíamos para nos livrar do demônio que nos persegue de uma vez por todas caíram por terra. Oakwood prometeu que, caso eu volte vivo da missão, ele fará chegar a minhas mãos a localização de uma excelente mina de diamantes, ainda inexplorada, na África do Sul. Pretendo passar a informação a meu irmão mais velho, Charles, que tem mais tino para negócios. Enquanto ele faz fortuna, posso apenas rezar para que nossa família não seja destruída até lá.

Mostrei-lhe um pequeno daguerreótipo onde estávamos eu, minha esposa e o pequeno Henry Jr. Era por aquilo que eu enfrentava demônios. Fizemos um silêncio reverente, o que nos permitiu ouvir o que nossos companheiros falavam:

– ...a teoria é perfeita, – dizia o Dr. Van Helsing – mas acho que a rede que você criou está muito larga. Se mudar a fase dos espelhos e aumentar um pouco a potência da descarga, creio que não haverá chance de fuga.

– Fabuloso! Não sabia que se interessava por assuntos de engenharia, doutor.

– Um homem tem seus hobbies – ele disse, corando.

Nesse ponto, o trem parou. Iríamos cruzar o Canal da Mancha. Van Helsing acordou o Conde, que quase o atacou no processo. Quando soube que iríamos atravessar o mar, o vampiro cruzou os braços.

– Não é uma hora propícia - ele declarou, terminante. - Temos que esperar a maré baixa.

– Vlad, não temos tempo para ataques de histeria – o doutor rilhou os dentes. – É apenas uma mania sua. Não vai lhe acontecer nada se entrar num barco agora.

– O que você sabe sobre ser um vampiro, cabeça de beterraba? – o conde provocou.

– Tenho uma ideia melhor – o doutor respondeu, com um ar sombrio. – – Vamos tentar uma antiga técnica de relaxamento. Amigo Henry, me empreste sua bengala, sim? Vlad, olhe bem para essa ranhura no castão. Essa aqui. Isso, mais perto. Mais perto...

Quando o Conde estava com a cabeça próxima o bastante da bengala, Van Helsing o golpeou com toda a força nas têmporas. Não consegui conter a gargalhada.

– Alguém me ajuda a carregá-lo? – perguntou a nós. Michaelson se ofereceu, e finalmente pudemos atravessar.

(...)

Assim que acordou, o Conde notou que estava agora em um trem, mas não fez perguntas. Era preciso manter a dignidade. Durante todo esse tempo, o doutor estivera lendo um livro enorme, e nós outros mantínhamos uma palestra amena. Tive esperanças que o despertar do vampiro pudesse trazer seu amigo para o círculo de conversa, pois eu estava curioso.

Infelizmente, eu teria que esperar um pouco mais. Mal se levantou, nosso amigo de dentes afiados saiu do compartimento sem dizer palavra. Ninguém se sentiu confortável para perguntar aonde ele ia e o que faria.

(...)

Nossa próxima parada era Paris, e percebi que Oakwood às vezes relanceava um olhar para o relógio. Por fim, ele correu para a janela.

– Ah! Estamos em Paris, enfim. O quarto integrante estará conosco em breve!

Menos de um minuto depois, ele abriu a porta da cabine. Uma moça estava pronta para bater e se assustou. Até hoje não consigo me esquecer dessa primeira visão. Ela era escura, um cabelo muito liso e preto. Ao invés de mantê-lo nos cortes elegantes das mulheres comuns, tinha-o preso em uma trança. Uma pequena jóia na testa, entre os olhos, completava seu ar de exotismo e mistério. Ouso dizer que seu primeiro olhar na cabine foi dirigido a mim. Mas isso não durou, pois Mr. Michaelson exclamou em voz alta:

– Angela?! Você...?!

– Eddie!

Ela o abraçou e cobriu seu rosto de beijos. Muito corado com essa explosão pouco recatada de afeito, ele a afastou e pigarreou.

– Nós... Miss Burroughs e eu... Digo... Mrs. Williams e eu... Somos amigos de infância – explicou para nós. – Trabalhávamos juntos na Scotland Yard, até que ela se casou e se mudou para Paris.

– Não nos vemos há tanto tempo... – ela ajuntou, provavelmente embaraçada com nossos olhares de choque. – Desde o meu casamento, na verdade. Não importa o que digam, é impossível ser uma dama ao se reencontrar seu amigo mais querido após cinco anos sem se verem. E... Eddie... Estou usando de novo meu nome de solteira. Greg e eu... Bem...

Ela fez um silencio constrangido. Para dissipar a impressão, Oakwood pôs as mãos no ombro de Miss Burroughs e sorriu serenamente para nós.

– Nossa amiga aqui é telecinética e tem experiência em lutar com criaturas sobrenaturais. Ela foi parceira de Mr. Michaelson e ambos tinham a reputação de ser uma dupla muito eficiente. Chamei-a para a nossa empreitada na esperança de termos ao nosso lado um pouco menos de teoria e um pouco mais de ação.

– E você não me falou nada sobre o Eddie – ela acrescentou, acusadora.

Oakwood deu aquele sorriso de alguém que se confessa culpado e sem arrependimentos.

– Agora que estamos completos, amigos – ele começou – pretendo ensiná-los a usar os aparelhos geradores de descarga. E recomendo que vistamos esses macacões especiais e botas de borracha. Ninguém aqui quer levar um choque, certo? – Atirou aos outros um fardo de roupas pardas e um saco com luvas e botas pretas de borracha. – Muito bem, lição um: esse botão de girar do punho do atirador regula a freqüência da descarga...

(...)

Minha curiosidade só foi satisfeita naquela noite. Miss Burroughs queria saber sobre nós, nossas histórias e famílias. Atraído por sua meiguice, ou talvez por algo mais, o Conde excepcionalmente entrou na conversa. O único que parecia alheio aos encantos da moça era o doutor, que continuava imerso em seu volumoso tratado.

Incomodada com o fato de que ele não dissera a ela nada depois do “encantado em conhecê-la”, Miss Burroughs perguntou ao Conde, em voz baixa:

– O Dr. Van Helsing é sempre tão concentrado assim em seu trabalho? Tenho certeza que ele poderia resolver a questão que estamos discutindo sobre o efeito da água gelada em resfriados...

– Minha cara senhora, não pense que a culpa é, de alguma forma, sua – ele respondeu, usando uma fineza de linguagem que não usava ao se dirigir a nós homens – Meu pobre fiador perdeu o filho pequeno no último inverno e sua esposa tem estado com a mente pouco estável desde então. Perceba que está de luto até hoje, e isso tem me preocupado. Geralmente, ele é um tolo sorridente e falador, mas seu silêncio tem me assustado mais que seus ataques de riso.

Fizemos um silêncio constrangido por termos tocado em tal ponto sensível da vida do Dr. Van Helsing. Miss Burroughs lançou a ele um olhar de piedade, e tentou mudar de assunto:

– E como vocês se conheceram?

– Recuso-me a contar essa história – o Conde disse, com decisão. – Bram, diga para nossa bela amiga como foi o encontro. Você é melhor com as palavras do que eu.

O médico não deu sinal de que tinha ouvido. Talvez estivesse muito concentrado em sua leitura. O vampiro pôs a mão na testa, frustrado, e tentou de novo, mais alto:

– Abraham, não finja que não está ouvindo. Estou cansado de você nesse silêncio todo. Isso me dá calafrios. Quer dizer, você sempre foi capaz de falar uns vinte minutos sem parar para respirar.

Ainda nenhuma reação. Estreitando os olhos, o Conde foi até o amigo e fechou o livro à força, com um estrondo.

– É melhor contar a ela, pequeno verme, porque se não o fizer, vou explicar uma ou duas curiosidades sobre seu braço direito.

O olhar que o doutor lançou para ele teria matado um homem mais frágil, mas o Conde apenas relanceou o olhar para Miss Burroughs. Isso pareceu trazer à tona o lado cavalheiresco de Van Helsing, que finalmente parecia disposto a falar.

– Desculpe perturbar sua leitura, doutor – a jovem senhora disse, confrangida – Não precisa me contar nada agora.

– Vlad já me fez perder a página onde eu estava, Miss Angela – ele disse, com um tom de resignação. – Vamos aproveitar a oportunidade para a história.

Mesmo Oakwood, que até o momento era apenas um expectador sorridente, se ajeitou melhor para ouvir.

– Nós nos vimos pela primeira vez quando eu estava na universidade – Van Helsing começou. – Vlad não seguia nenhum curso regular, apenas parecia interessado em assistir todas as aulas que pudesse. Durante quase todo o tempo que estive lá, primeiro fazendo Direito e depois, Medicina, nós nos conhecíamos apenas como “o sabe-tudo holandês” e o “nobre mal-humorado do Leste Europeu”.

“Era meu penúltimo ano na faculdade quando, ao voltar de uma sessão de mesas girantes que fui verificar para fins de estudo, encontrei Vlad em uma viela de Londres. Estava tarde da noite, e ele cambaleava e cantarolava algo estrangeiro. Parecia bêbado além da medida.

Ajudei-o a caminhar, planejando levá-lo para minha casa, já que não sabia onde ele morava. Percebi que sua pele era gelada e rígida, mas podia ser apenas efeito da noite de inverno em que nos encontrávamos. O tempo todo, Vlad murmurava palavras em romeno. Houve um momento em que ele ficou inconsciente, e foi quando percebi que ele não respirava. Tomei seu pulso e não senti nada. Não ouvia seu coração. Ainda tentei alguns métodos para reanimá-lo, mas, a meus olhos, o homem tinha morrido em meus braços. Decidi levá-lo assim mesmo para minha casa, onde poderia mantê-lo até entrar em contato com a família.

Fiz um progresso lento e penoso, até que depositasse o suposto cadáver no chão da minha sala. Foi nesse momento que quase tive um ataque cardíaco, pois o homem que, para mim, morrera há quase meia hora, de repente teve um acesso de tosse. Decidi verificar se eu não havia me enganado. Quando estava tentando ouvir a respiração de Vlad, e, portanto, estava com a cabeça bem próxima à dele, ele me agarrou pelos ombros e mordeu meu pescoço.

Respirei fundo para me acalmar e tateei o chão onde pude alcançar. Consegui colocar a mão em um peso para portas e o usei para acertar a nuca de Vlad com toda a força. Como acertei em cheio seus centros motores, ele me largou e ficou um pouco desorientado. Eu não sabia como ele iria reagir quando se recompusesse, então, peguei um atiçador de lareira e esperei.”

– Hum... Doutor... – interrompi, sem poder me conter. – Ninguém aqui vai pensar mal de você se admitir isso, porque seria muito natural... Você foi atacado por um suposto cadáver sugador de sangue. Não pensou na possibilidade de sair correndo de casa e gritando por socorro?

– A casa era minha – ele respondeu, franzindo a testa em perplexidade. – Quem teria que sair, se fosse o caso, seria o invasor, não eu.

Fiquei sem reação com aquela resposta. E pensando que, talvez, Oakwood não o tivesse chamado para a missão apenas pela competência dele na arte de curar e na fisiologia de mortos-vivos. Sem mais perguntas nossas, Van Helsing continuou.

– Quando se regenerou e recobrou a consciência, o Vlad que me fitou era meu colega de faculdade, não a criatura sedenta de poucos minutos atrás. Ele me olhou e disse “Você!” e mais nada. Recompôs sua roupa, espanou o pó que o cobria e limpou meu sangue de seu rosto. Por fim, se dirigiu à saída e disse: ‘Se contar algo do que aconteceu hoje, servo, você é um homem morto. E eu saberei se contar.’

“Deixei que saísse, e minha mente começou a fervilhar de questões novas. Eu precisava conhecer Vlad melhor, precisava examiná-lo e entendê-lo, mas sabia que não seria nada fácil. Precisava de uma moeda de troca e ainda não tinha ideia de qual poderia ser.

“Os dias passaram sem que nada de diferente acontecesse. Eu poderia pensar que ele não queria mais nenhuma relação comigo, mas percebia que, vez por outra, ele me olhava de um jeito intrigado. Então, juntei minha coragem e lhe fiz uma proposta: eu trabalharia para ele como servo, desde que ele me permitisse conhecer mais sobre ele. Eu havia me preparado psicologicamente para que ele tripudiasse, para que me ridicularizasse ou tivesse qualquer outra reação desagradável, mas ele simplesmente coçou o queixo e aceitou.”

– Era um duplo ganho – o Conde esclareceu, dando de ombros – Nunca houve muita gente competente investigando a fisiologia do vampirismo, de forma que eu ganharia um servo e um pesquisador de graça. O que havia para recusar? Além disso, eu estava curioso. Bram foi o primeiro humanos em séculos da minha existência cujo sangue não me revelou sua vida inteira e eu queria entender o que ele tinha de tão diferente.

– E foi isso – o Dr. Van Helsing encerrou, com simplicidade. – Servi Vlad enquanto ele investigava denúncias de crimes cometidos por súditos da Sociedade dos Vampiros por toda a Europa, e ele me forneceu amplo material para compreensão melhor de vampiros e revenants. Minha pesquisa com os revenants, inclusive, me trouxa uma compreensão ímpar do funcionamento do cérebro, já que dissecar um morto-vivo é quase fazer uma vivissecção, só que sem os dilemas morais envolvidos.

“Há poucos meses, nosso acordo ficou suspenso, já que terminei meus estudos mas imediatos, e foi quando me tornei fiador de Vlad por ser capaz de resistir a seu controle mental. O que aprendi nesse período é muito amplo e maravilhoso para ser escondido, mas como você publica isso sem mencionar os revenants? Eu tentei. E tentei, e tentei. Mas ai! Pequenas inconsistências causadas por minhas omissões levaram a grandes mal-entendidos e é possível que eu perca meu registro no RCS. Pretendo fazer carreira numa universidade, e se minha reputação for arruinada desse jeito, posso não conseguir. – Ele se calou por uns instantes e sorriu de leve. – Aí entra meu acordo com nosso amigo Edward Oakwood, caso tenhamos sucesso. Pronto, vocês têm a história agora. Receio que tenha sido um pouco longa.”

– Vinte minutos sem parar para respirar – o Conde disse, gravemente. – Bem melhor assim.

O doutor fez para ele um gesto pitoresco de desdém e retomou seu livro, buscando a página onde tinha parado. Houve um silêncio onde ninguém soube exatamente o que dizer. Michaelson olhou para o Conde Drácula com um olhar que pedia desculpas. Ele era um vampiro importantíssimo e tão arrogante que era quase insuportável, mas era claro que o que acontecia ali não tinha nada a ver com diversão ou esquemas obscuros, era amizade pura e simples.

Para dissipar aquele silêncio, Miss Burroughs sorriu e disse:

– Todo mundo contou suas histórias, acho. Ficou faltando a minha. É bem curtinha, dá para ir contando as cenas principais nos dedos, olhem: Eu trabalhava na Yard com Eddie e meus amigos. Cansei de ser cão de caça da Rainha e me casei com um diplomata charmoso. Vim para Paris apaixonada, mas logo ele quis que eu fosse uma doninha de casa perfeita que não sou. Passamos a brigar muito e nos divorciamos. Fiz meu pai passar vergonha e ele parou de falar comigo. Fiquei sem dinheiro para voltar para a Inglaterra e terminei aceitando a proposta de Mr. Oakwood. Viram? Ainda faltam quatro dedos.

– Oh, Angie – Michaelson disse, cansado – por que você não telegrafou para mim ou qualquer outro de nós? Teríamos ajudado você.

Ela ofereceu a ele uma expressão de desculpas.

– Todos vocês me avisaram que Greg e eu não daríamos certo, mas eu entrei nessa assim mesmo. Resolvi sair sozinha, sabe, uma compensação pela minha burrice.

– Você é muito esquisita – ele retrucou, numa voz desesperançada.

Com isso, já tínhamos um terreno firme quanto ao que movia cada um no nosso grupo e o que poderíamos esperar deles. Pode parecer bobagem, mas quando se enfrenta demônios, é sempre útil saber o que vai perto do coração de cada um.