O AMANTE IMAGINÁRIO

Exuberante. Preciso fosse, assim a definiria. Gorda esteve por todo o existir. Menina, adolescente, mulher madura. Pele rosada e macia. Rosa rosa, rosa desabrochada. Cabelos negros lisos e bem cortados lhe faziam bela a cabeça. Se despenderam tanta tecnologia para a invenção de tintas para cobrir o pratear dos cabelos, por que não usá-las? Olhando-a, imaginei-a a dizer...

Rosa sentava-se com elegância, sem se incomodar com o volume do corpo que sobrava pelas beiradas das cadeiras. Tecidos com estampas floridas, tons puxados para o vermelho eram os escolhidos por predileção. Colares cheios de voltas, brincos e pulseiras vistosos. Parecia não ligar para seus óculos de lentes grossas que usava desde menina. O sorriso largo no rosto grande, podia ser... Explicaria o fato nunca haver ficado sem par desde a adolescência. Sem malícia, ela nem atinava que as amigas, magrinhas, mortas de fome, custavam a encontrar um moço para uma simples contradança.

Então a vi, sobejando vitalidade, a se deleitar com um grande e decorado sorvete na praça de um shopping. Mero acaso. Há trinta anos havíamos sido colegas na faculdade. A vida me levou para lugar distante e me trouxe de volta para a cidade onde havia nascido e passado metade de minha vida. Meu pai falecera e como filho mais velho, solteiro, aposentado, quis apoiar minha mãe por algum tempo.

Lembrei-me de um namorico que tive com aquela mulher prazenteira, decidida, sempre pronta para todas as festas e para o viver. Creio, foram dois ou três boleros dançados com o rosto colado em alguns bailes no grêmio. Depois do tempo de faculdade, vira-a umas poucas vezes. Soubera que havia se casado e mudado de cidade. Algum tempo depois, vim a saber que o marido era um colega, que havia sido um dos meus melhores amigos na adolescência.

Amigos vão. Amigos ficam. Esse fazia parte dos idos. Foi num baile de estudantes. Eu chegara após o começo da festa, pois trabalhava para pagar meus estudos e vi Laura, a bela, sentada, conversando com duas amigas. Convidei-a para dançar. No mesmo instante, ela se levantou e saímos rodando pelo salão. Ainda nem havia tido tempo para colarmos nossos rostos, quando o tal amigo chegou, puxou-a para si e me deu um tabefe, assim, sem mais nem menos. A jovem esguia foi levada pelos cabelos salão afora. Os que assistiram o antes da cena, contaram-me que o rapaz estava dançando com a Laura desde o começo do baile e havia saído, podia ter sido para ir ao banheiro ou para colocar mais uma rodela de limão no cuba libre. Nisso cheguei e a vi com as amigas e ... A partir desse dia, o antes meu grande amigo passou a me evitar e Laura, vexada, nunca mais me olhou nos olhos. No entanto, nem mais uma vez os vi dançarem juntos.

Porém, como a Rosa exuberante havia cruzado sua vida com a vida desse meu antes amigo? Não fui capaz de compreender. Mulher tão dona de si! Enquanto a olhava, procurava organizar o quebra-cabeça. Estaria ela ainda com ele, teria ele lhe puxado os cabelos alguma vez... Notei que ela não usava mais os óculos e nem aliança. Não custaria nada........

Cheguei e a cumprimentei. Ela se lembrou de mim num instante, apesar de meus poucos cabelos, minha barba branca, minha barriga de sedentário. Sem me consultar, levantou-se e preparou-me um sorvete dos grandes e pediu um refrigerante normal, que não gostava de adoçantes. Disse que estava viúva, que o casamento havia durado quinze anos, mas que não tivera filhos. Continuava de bem com a vida como sempre estivera. Seu segredo? Seu segredo era um amante imaginário. O quê? Sim, um amante inventado. Que eu não revelasse a ninguém, que não havia nenhuma doidice nisso. Para esse, ela se arrumava a cada amanhecer, vestia-se, perfumava-se e estava sempre pronta para sorrir e mais, tinha certeza de que esse ela poderia levar para a sepultura. Contou-me que o marido havia suspeitado de outro, havia posto detetive e havia lhe seguido diversas vezes quando saía de casa. Até que se cansou de debater com o que não era. Uma pena. Não fosse ele tão cheio de apegos poderiam ter vivido um belo conto de fadas e que ninguém nunca o haveria de chamar de corno, que do outro somente ela conhecia.

Pude falar pouco de mim, de minha solidão, de meus opacos trinta anos de vida no serviço público. Agora vivo seguindo Rosa. Pode ser que espero ver quem seja esse tal amante, essa imagem ilusória que dá a ela tanto vigor para o viver.

Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 24/02/2007
Código do texto: T391573