Os Filhos de Araendys - 05 Morgana.

Ao longo dos séculos, da tentativa de sobrevivência das espécies, do aprendizado sobre o ato de viver, da convivência das diversas energias no cosmos, e do conflito iniciado de duas forças irmãs, mas diametralmente opostas, a humanidade chegou a muitos, e maravilhosos acertos. Contudo, também cometeu terríveis equívocos, e caminhou a partir, e para, um número muito grande de erros e confusões.

Algumas confusões intrincadas ao exercício de viver, no longo processo de realização da existência, dizem respeito ao entendimento das habilidades intuitivas e energéticas usufruídas e utilizadas inconscientemente. Outras, estão relacionadas à compreensão das cores: seu funcionamento, importância energética, e suas influências sobre o organismo.

Uma cor é uma parcela da luz refletida para o universo. A luz do Sol guarda todo o espectro de cores existentes. Cada cor possui vibração própria e distinta, formato de onda específica, assim como velocidade. Cada onda vibra de uma única maneira. A luz é um tipo de onda, eletromagnética, e por isso se propaga no vácuo, mas ela conhece obstáculos, e a estes se estabelecem sombras. A palavra sombra nem sempre evoca uma imagem boa no universo imagético que carregamos dentro de nós.

Entretanto, só quem andou sob um escaldante Sol a pino, sabe como é bom encontrar a sombra de uma boa árvore, ou mesmo como é gostoso deitar sob uma, em contato com o grande tapete natural que cobre os solos, a grama, e meditar, ou mesmo entregar-se a um delicioso cochilo.

Numa aldeia distante, pacata e esquecida num extenso vale que se encontrava entre imensas e majestosas cordilheiras. Cuja natureza original ainda vibrava sua força matriz trabalhavam um grupo de agricultores. Aqueles homens conheciam e viviam intimamente com a natureza. Eles pediam dela o que precisavam para comer, e entregava a ela o que ela precisava e lhes pedia para continuar saudável, e fértil. Estabeleciam uma relação de equilíbrio e harmonia. Assim como dependiam da saúde de seus pulmões para estabelecerem a ritmada e profunda respiração que lhes garantiria fulgor e energia, precisavam da terra, e da mesma forma como sua circulação sanguínea era a garantia que estariam vivos, dia após o outro, assim também era com a natureza que lhes cercam. Não possuíam a ilusão de que suas construções artificiais um dia mudariam essa relação, ao contrário, sabiam que a cada nova intervenção no equilíbrio natural exigia profunda reflexão, estudo, e análise de como fazer a natureza recrutar tal artificialidade, reestruturando a harmonia anterior.

Próximo ao grupo de trabalhadores, brincavam algumas crianças. Corriam pelo largo campo, inventando milhões de brincadeiras, imaginando histórias incríveis, criando personagens, encontrando e conhecendo o doce sabor da coragem e da força que existe na natureza e no movimento. Alguns casais, grupos de amigos e amigas, passeavam pela aldeia, conversando, sorrindo.

Uma jovem menina, que já caminhava por Heuteria há inúmeros dias em busca de uma pessoa chamada Marabô, havia acidentalmente encontrado aquela vila. Seu nome era Tita. A pequena tinha apenas um pedaço de papel nas mãos que reconhecera como uma mensagem que havia sido enviada por seus pais. Acolhida pelos moradores do povoado, descansava sob uma agradável sombra de uma frondosa árvore com folhas de um verde escuro intenso, colorida pelos seus frutos vermelhos e por diversas aves bastante comunicativas. Encontrava-se embalada num longínquo sono.

Não era um sonho comum. O sono que a carregava distante era profundo, e, de certo modo, bastante real. Sua testa começava a suar. Logo seus braços e seu dorso também estavam encharcados. Seu corpo se mexia debaixo da árvore, respondendo involuntariamente aos estímulos das imagens que lhe vinham à mente. Ela não conseguia abandonar aquele lugar estranho onde se encontrava em espírito. Aos poucos, contudo, deixou-se inebriar pela imagem que lhe surgia, nunca tinha sentido nada parecido em toda sua vida. Era um sentimento forte e poderoso, e porque ela o desconhecia, sentia medo. O medo é um sentimento natural e instintivo que nos auxilia acumular energia para que possamos descarregá-la de uma única vez em uma situação de risco.

O medo é muitas vezes importante para a preservação da vida: é a dúvida ao qual devemos conceder o mérito, e não entregar-se totalmente, nem repulsar por completo, é o sentimento que nos prepara para o novo. Só se deve tomar uma decisão, quando munido de informações que já passaram pelo importante processo de reflexão pousadas no cérebro e no coração.

Tita enxergava, em sonho, uma das imagens mais belas aos quais seus olhos um dia tiveram permissão de se deleitar: ela era a própria definição da beleza. Era possível sentir o calor da sua pele, o perfume que emanava de todo aquele ser, a bela mulher, que parecia perceber a sua presença ali.

Perdiam-se numa pele alva como a neve - de onde emanava uma luz intensa e particular - olhos irresistivelmente charmosos, que atraíam e arrastavam para dentro de plácidas e negras águas, serenas ondas capazes de sensibilizar o mais feroz e bruto dos seres, donos da mais profunda sabedoria milenar. Resplandeciam seu íntimo conhecimento das leis e processos do universo. Ela tinha os cabelos igualmente negros e belamente longos. Não era liso nem cacheado, brilhavam com harmonia e equilíbrio.

- Preto é a cor milenarmente usada pelos monges para meditação. – Falava ao homem que se aproximava enquanto sentada, admirava e contemplava sua imagem no espelho.

O homem que chegava usava uma máscara.

Ele fez menção de tirar a máscara, pois não precisava dela.

- Não tire a máscara Marabô! – Disse a mulher.

O homem obedeceu, a mulher continuou a falar:

- É preciso compreender que é uma pessoa diferente em cada relação com pessoas distintas. Não fosse assim, como poderíamos atingir o ponto crucial de contato com cada um? Isso não é usar máscara. Ser a exatamente a mesma pessoa com todas as diversas pessoas, parece, de tal modo, até certo ponto artificial. Usar uma máscara é ocultar deliberadamente quem somos. Fingir nossos princípios e ideias com intuito de enganar. É mentir para si mesmo e para outro, quem realmente somos. Agir de modo diferente com cada pessoa, ao contrário disso, é algo extremamente natural, e saudável.

- Você é encantadoramente sábia, nobre Morgana. – Respondeu Marabô.

Tita acordou sobressaltada. A tarde tinha caminhado rápido entre os ponteiros que marcam tempo, enquanto dormia. E a noite já apresentava orgulhosa a lua alta no céu, sempre deixando sonhar que alguma festa acontecia em volta de algum lago, em noite tão especial.

A menina lembrava com clareza do sonho, de cada palavra daquela conversa. O homem tinha o nome da pessoa que ela procurava, Marabô. E o nome dela não saia de sua cabeça, era com um mantra que a acalmava: Morgana.

Tita saiu andando pela cidade, ainda meio acordada, meio dormindo, por entre as pessoas daquela pequena vila que a haviam acolhido com tanto carinho. A cidade parecia mais agitada que o normal e a pequena Tita não sabia se era resultado do seu estado de agitação interior por causa do sonho. Puxando uma das crianças que passavam pelas mãos, perguntou:

- Ei menino, o que está acontecendo?

Tita falou com um jeito divertido de quem apenas procurava um pretexto para puxar alguma conversa vaga para ocupar o tempo, mas o menino respondeu:

- Ei, Tita! Você, então, não sabe?

- Não sei o que? – Tita respondeu levantando o menino no ar, reconhecendo ele naquele momento como uma das crianças que moravam na casa onde ela estava acomodada.

- A cidade toda! Tá todo mundo se preparando pra ir participar! Participar da festa da filha do Rei do clã do fogo, protegidos de Djin e das salamandras. Irá nascer a filha do governador regente Davi de Arhuanda. Um dos últimos que ainda resistem contra o poder dos Cruôres. Dizem que ele é uma das últimas esperanças de Heuteria. Sua filha nasce em três dias e ele vai dar uma grande festa!

- Festa, mas não é perigoso dar uma festa?

- Não é nada! É disso que Heuteria está precisando!! Nosso mundo de precisa de mais festas! – Disse uma mulher que passava e ouviu a conversa. Com ela um grupo de crianças seguiam fazendo boa algazarra.

O menino já corria para alcançar o grupo de crianças que tinha passado há pouco. Tita ainda gritou de longe perguntando:

- E qual e o nome da filha de Davi de Arhuanda.

- Janaína! – Respondeu o menino.

Tita não sabia bem o porquê, mas parecia esperar ouvir Morgana. Talvez tivesse sido só um sonho. Uma hora ela ia descobrir. Agora ela apenas corria para se inteirar e participar da caravana que se formava.

Todos estavam contentes a animados. Era algo que Tita não compartilhava há muito tempo, e ela se emocionava. A pequena vila, enterrada entre aquelas áridas montanhas, ainda estava segura.

Logo, todos seguiam em direção às terras pertencentes ao clã do fogo, onde aconteceria a grande festa. As estradas que levavam até lá estavam protegidas. E todos sabiam que os Cruôres ainda não tinha coragem para enfrentar o governador regente Davi de frente.

Partiam, em suas mais diversas e diferentes carruagens, formando uma grande caravana, tranquilos e felizes para a grande festa.

Gregório Borges
Enviado por Gregório Borges em 01/11/2012
Código do texto: T3963557
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