A MENINA E O POETA V - A Decisão

V

A Decisão

Desde que se frustrara ao não encontrar o poeta no endereço que ele havia lhe dado e onde já estivera por uma vez, a menina ficou com o interesse pelo moço ainda mais aguçado. A percepção de que o seu interesse por ele havia extrapolado o conteúdo literário e adentrado o mundo dos sentimentos, a estimulava ainda mais a encontrar o poeta perdido no alvoroço da cidade grande.

Naquelas semanas que se sucederam a sua frustrada tentativa de encontrá-lo em sua residência, ela só teve decepção em cima de decepção. Mudar daquele prédio fora uma decisão difícil para o poeta, mas necessária porque ele não estava preparado naquele momento para lidar com o interesse que a garota adolescente também lhe havia despertado. As atitudes que ele tomara em seguida, é que acrescentariam decepções à menina.

Em princípio, ele parou de responder às cartas que lhe abarrotavam o escaninho do prédio toda semana. Em seguida já não entrava mais no Messenger com a mesma regularidade que antes, até que desapareceu por completo da Internet. Por fim, nem os e-mails ele respondia mais...

O poeta procurava se esvaziar da menina e quanto mais o fazia, mais a menina procurava preencher-se do poeta. Naquele vazio de comunicação que se sucedeu à tentativa frustrada de encontro, a menina aproveitou para rever as cartas e e-mails recebidos do poetinha – era assim que ela o chamava carinhosamente – ao longo dos últimos doze meses.

Reviu a aula sobre estilos literários, repensou a classificação dos textos conforme a categoria, teve oportunidade de refazer a viagem nos textos que o poetinha lhe recomendara sobre a função e a natureza da poesia e, acima de tudo, caminhou com alegria mais uma vez sobre os trilhos do versejar, revendo as conversas sobre soneto, haikai, balada, verso livre, ode, epopéia, canção, dentre outras formas de poemas, deparando-se com as questões da métrica, da rima, do verso de pé quebrado, do jambo, das aliterações e assonâncias, que para ela tinham sido uma descoberta excepcional sob a luz do poetinha, que com paciência soube introduzir a menina no mundo da poesia que permanece.

Ana Luíza aprendera que há uma poesia descartável, datada, que é aquela que apenas revela sentimentos individuais, fruto de paixões adolescentes, mas que não possui caráter universal. Ela aprendera que devia dominar seus sentimentos e domesticá-los pelas palavras, fazendo com que seus versos deixassem o jeito piegas e alcançassem o estilo de uma poesia mais permanente, mais durável.

Mas, naqueles meses que se sucederam ao afastamento do poetinha, foi quando ela mais perto dele ainda ficou. Agora, de uma forma espiritual; pela poesia. E os textos e as poesias fizeram – por obra das artes do coração – a reaproximação da menina e do poeta. O que mais foi determinante para a intensificação do desejo de estar junto do poeta foi a releitura das intervenções que ele fizera nos textos que submetera à sua apreciação.

A menina, no distanciamento do tempo e da emoção do momento em que produzira os textos, podia agora compreender as dicas que o poeta dera a respeito de seus escritos. E como ela observava agora o quanto a maioria deles possuía um toque infantil ou superficial. Ela agora podia rir do que escrevera, percebendo o quanto amadurecera naqueles meses. E ela estava disposta a abandonar a poesia-desabafo para produzir algo mais consistente.

Depois de todo aquele exercício, ela se sentiu segura para retirar seus textos do site, reescrevê-los e tornar a publicá-los se achasse viável. Foi com bastante tranqüilidade – e leveza de consciência – que foi fazendo bolinhas de papel com dezenas de textos seus que se amontoavam sobre a escrivaninha, mirando a cesta de lixo com precisão, e a cada bolinha encestada vibrava como se fosse o Michel Jordan de saias da subliteratura brasileira. Com aquela brincadeira de jogar bolinhas ao lixo, ela encerrou uma era de preconceitos, pieguice e achismos em sua vida, inaugurando um novo tempo em sua escrita.

Com emoção, Ana Luíza empunhou sua caneta e concentrou-se no papel branco à sua frente, pôs-se a escrever o primeiro texto de um novo tempo de sua vida literária. As semanas e meses seguintes foram dedicados à sua paixão pela escrita e à missão quase que impossível de achar o poetinha no Estado do Rio de Janeiro. Sua tarefa seria mais hercúlea que todas que já tinha se deparado até então e mais minuciosa que procurar agulha no palheiro. Mas, a menina era determinada e nada obstruiria sua missão. Percorreu sites de literatura e poesia. Freqüentou saraus e lançamentos de livros. Visitou livrarias, museus e bibliotecas. Foi a eventos oficiais, inaugurações e coquetéis. Onde houvesse uma esperança, tênue que fosse, lá estava a menina no anseio de reencontrar seu poetinha.

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ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 04/03/2007
Reeditado em 06/03/2007
Código do texto: T400565