Outros rumos

A menina estava cansada. Toda vez era aquela historia. Caminhos na floresta, cestinha de doces, o velho lobo, caçadores e vovó. Naquela manhã, ao sair de casa, resolveu que daria um fim naquilo. Sentia-se um tanto quanto velha para fazer sempre o mesmo papel.

Pegou o caminho de sempre e cruzando o bosque, já perto do rio, avistou o lobo. Ele veio com aquela historia do “o que tem na cesta, garotinha?”, ao que ela nem se deu ao trabalho de responder. Continuou o seu caminho tranquilamente. O animal ficou perplexo, pois, tendo feito a mesma coisa por séculos, não soube como agir. Rodeou por entre árvores e até mesmo tentou correr atrás da garota, mas algo parecia ter mudado. Ele parou por um instante e olhou para a água cristalina do rio que corria sem parar. Frágeis raios de sol batiam na superfície e uma fina brisa percorria todo o bosque. O lobo, olhando para a água, viu o reflexo de seu rosto. Orelhas caídas e uma pelugem branca espalhada pela face e pescoço. Suas patas pareciam frágeis e o corpo um tanto quanto curvado. Sentou-se no mato e, tirando forças que imaginava não mais possuir, uivou longamente. Um uivo triste e melancólico, como o choro de alguém que perdeu tudo o que tinha.

A menina já estava longe, mas ainda pôde escutar um som vindo do bosque. Não se ateve ao barulho. Manteve o seu trajeto de sempre, agora sem a presença do lobo. Depois de um tempo, parou diante de uma árvore e mirou a cesta de doces. Jamais havia feito isso e, ao abri-la, viu que lá dentro não havia doce algum, mas apenas algumas folhas de boldo e novelos de lã. Ficou desapontada, quase furiosa. Quis jogar tudo no chão e chutar a cesta em direção ao rio. Seria mais uma das coisas que deixaria para trás. Preparou mesmo o braço para arremessá-la longe, mas parou no meio do caminho. Não muito longe viu que sua avó estava parada, em frente à sua casa. Com um olhar triste e desapontado, mirava a menina. Esta, com um sorriso sem graça, se aproximou da avó, que disse: "- então você resolveu jogar tudo fora?" Estava com as mãos na cintura, rosto fechado. A menina não disse nada, apenas escutou sua avó. "– Onde está o Lobo? Estou esperando por ele a manhã toda, já era pra ter chegado."

A tensão tomou conta do ambiente, e a avó, com um tom enérgico, continuou seu protesto ante a demora do lobo. "– Ele nunca se atrasou, nem mesmo nos dias frios. Por acaso você fez alguma coisa, pois chegou antes dele?" A menina, impaciente, resolver falar a verdade. "– Eu não dei atenção ao lobo, deixei ele para trás e vim sozinha, trazendo esta cesta que, pensei, tivesse doces, e não essas folhas e lã. Eu me cansei de toda essa história de andar pelo bosque e ser a pobre vítima de um cachorro velho, que quer acabar comigo e com minha avó, igualmente velha. Sim, eu desisti disso."

A avó sentou-se na frente da casa e disse à menina que também o fizesse. Esta, após relutar por alguns minutos, resolveu atender ao pedido. Ficaram lá, olhando para aquela manhã que se estendia ao longo do bosque. Um cheiro fresco saindo das árvores, um sol nem muito forte, nem muito fraco, na medida para apreciar o dia. O tempo passou mansamente, sem que nenhuma delas dissesse alguma coisa.

De repente, bem ao fundo da paisagem, ecoou um uivo longuíssimo, melancólico. A avó olhou para a neta com um olhar de repreensão. "– O que foi que você fez? Mudou o curso de uma história pensando que assim ficaria tudo melhor. Não pensou nas consequências? Acha mesmo que assim tudo ficará ao seu modo, do jeito que quer?" A menina foi dizer algo, mas sentiu-se estranha, sem forças. Olhou para suas mãos e soltou um grito de horror. Estavam enrugadas, retorcidas, como as de uma anciã. Seus cabelos, antes enormes cachos amarelos, agora caiam pelos seus ombros como uma grossa e seca raiz, sem cor definida. Seus olhos estavam baços, e os movimentos pesados. Conseguiu mover a cabeça para o lado e observar, ainda que com o olhar embaçado, o lobo e avó caídos ao chão, como cascas vazias. Tentou levantar-se, mas não foi possível. Caiu ao chão, levando a mão, seca mão, ao peito. Uma fina lágrima lhe caiu pelo rosto envelhecido.

Numa livraria, a mãe do menino perguntou ao moço se havia o livro da Chapéuzinho Vermelho. O homem ficou pensativo por alguns segundos, mas logo falou que não conhecia esse livro. A mulher saiu da loja desapontada, pois lembrava-se de que já haviam lhe contado uma história com esse título.

15/5-17/8