A MENINA E O POETA VII - O Reencontro

VII

O Reencontro

Naquelas horas que se sucederam ao achado de Ana Luíza, a menina foi tomada de uma transformação meteórica em seu comportamento. O motivo de sua incessante busca estava por chegar ao clímax e ela não escondia a sua alegria.

Naquele fim de tarde, quando acabara de tomar o seu banho, ao ver-se nua diante do espelho do quarto, com a toalha caída aos seus pés, Ana Luíza deparou-se com uma mulher feita. Pela primeira vez contemplava o seu corpo e se agradava do que via. Embora seu rosto ainda guardasse um jeito de menina, o corpo, no conjunto, expressava os atributos de mulher feita; pronta para o amor.

No rosto, os olhos, os lábios, a expressão facial, demonstravam uma determinação e uma sensualidade próprias de uma moça que sentia que o amor palpitava em seu coração. As sinuosas curvas de seu corpo, os seios bem torneados, as pernas longelíneas, servindo de colunas helênicas para um Monte de Vênus misterioso e acolhedor era como fotografia idealizada da mulher brasileira.

Um leve e insinuante sorriso tomou conta da face de Ana Luíza naquele instante. Era como se fosse um sinal de aprovação ao corpo exposto no espelho, mas também aos pensamentos escondidos em sua mente. E que pensamentos eram estes? Não era possível ainda decifrar os pensamentos da menina-moça, embora uma suspeita se apresentasse.

Após as aulas da manhã, com a descoberta no jornal do evento para aquela noite, Ana Luíza ligou para casa, dizendo que almoçaria no Shopping. Lá, fez um tour pelas principais grifes de moda feminina e estacionou na Forum depois de ter passado pela Zoomp, M.Officer, Ellus e Fit. Queria algo despojado, pois depois que a übermodel brasileira, Gisele Bündchen, foi eleita a Modelo do Ano pela revista Vogue americana, as brasileiras precisavam se desdobrar para apresentar o seu diferencial. Para Aninha não seria difícil. Além de sua beleza física, aquele dia, em especial, fazia dela a garota mais bonita do mundo: o olhar, o sorriso, a expectativa, o mistério, o amor e outros ingredientes, faziam dela uma mulher completa. A menina estava revestida de um plus invejável!

Lindamente nua, Aninha olhava para as peças dispostas com carinho sobre sua cama e que serviriam para ornar o seu belo corpo de menina-moça. Pegou a lingerie nova, um Conjunto Corselete, formado por calcinha Click-up, corselete em renda francesa e meia 7/8 com renda siliconada, dando um toque bastante sensual e sofisticado. Vestiu as peças íntimas com meticuloso vagar, como se estivesse se preparando para um ritual religioso. Depois de terminar de ajeitar os detalhes sobre o corpo virgem, postou-se mais uma vez defronte ao espelho e contemplou seu corpo enfeitado de rendas. Novamente, deliciou-se com o que viu, qual narciso no lago misterioso do amor.

Agora era a vez do vestido. Um vaporoso longo preto, que se ajustou perfeitamente em seu corpo jovem, e lhe emprestou não só elegância e jovialidade, mas contribuiu para ressaltar sua beleza e ampliar sua altura, já que ela era de estatura mediana. Mais uma vez, Aninha se perde na contemplação de si mesma diante do espelho. Está pronta. Os últimos retoques da maquiagem e o borrifar do perfume francês indicam que em pouco tempo ela ganhará as ruas para a grande noite de sua vida.

Quando o táxi estacionou defronte ao prédio da Biblioteca Nacional, no centro do Rio de Janeiro, a noite já estava em eu esplendor e Ana Luíza pisou firme na calçada, subindo com desenvoltura a velha escadaria de acesso ao hall de entrada do edifício. Ela tinha o céu por cobertura e bênção. Nele, as estrelas salpicavam o manto negro de luzes, benfazejas luminárias que rebrilhavam nos olhos inquietos da moça.

Quase três centenas de convidados se aglomeravam, segundo os cálculos da moça, para o lançamento do livro de Alex Guima. Toda a estrutura para o evento estava montada, com cadeiras bem dispostas para os convidados, palanque com som profissional de primeira qualidade, holofotes, mesa para autógrafos, bufet para o coquetel. A noite estava linda. Muitos poetas de renome compareceram para prestigiar Alex Guima. Como a noite prometia ser bastante agradável, a menina se preparara para viver um bonito momento de sua vida. Dirigiu-se às cadeiras mais próximas ao tablado central, pois pretendia ter uma visão privilegiada do seu autor favorito.

A Banda “Legião Urbana” foi convidada para dar uma canja e, enquanto os convidados mais atrasados chegavam, o ambiente deixava-se tomar por uma música de boa qualidade. Era hora do artista principal da noite. Alex Guima faria três sessões de recitação de suas poesias, intercaladas por novas participações da Banda. Na primeira parte, a leitura de “M de Mulher” aqueceu o coração da moça, levando-a a sonhar acordada. Na segunda, foi “Limitações da Poesia” que a encantou.

Mas, na terceira parte, a jovem deliciou-se em ouvir dos próprios lábios do autor a recitação de “E o Vento Respondeu...” A sensualidade do poema calou fundo em seu coração, levando-a a se imaginar Musa daquele enredo. Pois foi exatamente neste instante que, Alex Guima, já incomodado por um sentimento queimante que lhe acometia o eu interior, viu os olhos da moça cruzarem o seus e o seus estacionarem nos dela. Algo de familiar havia naquele olhar e naquele rosto. Até que ele descobriu estar ali a sua pequena aprendiz de poeta.

A sensação que o poeta sentiu naquele momento foi de ter sido descoberto. Sentiu-se nu. O flagrante daquele momento de idílio poético desnudava toda a carga de poesia que ele imprimia em sua declamação. Falar de amor na impessoalidade abstrata de gentes com as quais possivelmente não mais conviveria era uma coisa. E, neste sentido, quanto maior a platéia, mais ele se sentia seguro por trás da couraça de artista que sempre vestia em ocasiões como essa. Mas, falar de amor para tanta gente, ante os olhos ávidos e perscrutadores daquela que ainda era a razão de sua poesia, era algo bem diferente.

Somente naquele instante do reencontro surpreendente com a amada, foi que ele se deu conta do quanto ela lhe era querida. Num dado instante, um dos holofotes cruzou a platéia e se deteve num jorro de luz amarela sobre Ana Luíza. O facho de luz que incidiu sobre a jovem, apresentou-a em sua plenipotência para o poeta. Não era mais aquela menina tímida, desajeitada, descolorida, que conhecera já havia mais de dois anos. Era, agora, uma moça bela, elegante, maquiada com glamour, e que entrava na juventude esbanjando sensualidade e senhora de seus desejos.

O coração do poeta disparou e os versos finais de “E o Vento Respondeu...” foram declamados por uma voz embargada, entrecortada de uma emoção que só corações amantes sabem entender. Ana Luíza revirava-se em sua cadeira, sabedora, somente ela e seu coração, de que o poeta a descobrira ali e que suas almas estavam agora interligadas numa só sintonia de amor. Mas o coração do poeta não resistiu à tamanha emoção e um infarto agudo do miocárdio, como conseqüência da obstrução das artérias do coração, o surpreendeu naquele momento, fazendo-o tombar pesado ao chão. O desespero tomou conta dos circundantes, em especial a sua musa juvenil.

Mais que depressa a equipe médica de plantão do Espaço Cultural da Biblioteca Nacional foi acionada e os enfermeiros retiraram o poeta byroniano na maca. A platéia estremecida e comovida foi acalmada pelo anfitrião, Srº Muniz Sodré, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, que interveio para acalmar os presentes e tentar levar o evento até o fim.

Por obra do destino, o poeta já havia autografado mais de 300 exemplares do livro. Embora não houvesse uma dedicatória a ninguém em particular, o presidente se incumbiu de personalizar os livros para os interessados. E, por conta das emoções da noite, não houve um assistente que voltasse para casa de mãos vazias. Todos adquiriram seu exemplar, para terem junto a si as poesias do “poeta das emoções flamejantes”, como sintetizara o crítico Adroaldo Lampreia em sua resenha no Jornal do Brasil. Os livros adredemente autografados por Alex Guima não foram suficientes para a ocasião, de modo que outras centenas de exemplares foram vendidas aos interessados. Conforme estimativa da coordenação do evento, nunca se vendeu tanto livro de poesia na noite de seu lançamento. Foram mais de mil exemplares vendidos. Sucesso absoluto de crítica e venda.

A equipe de literatos que se acotovelava na mesa de autógrafos para assessorar o presidente da FBN nesta tarefa de repassar aos interessados um exemplar do livro, surpreendeu-se quando uma jovem elegantemente trajada, com voz suave e quase imperceptível, perguntou, já quase no fim da noite e do evento, pelo poeta. A moça foi encaminhada ao presidente que, apresentando-se, teve a oportunidade de ouvir de seus lábios a frase:

- Prazer! Sou Ana Luíza, amiga do poeta!

Quando ouviu aquele nome, Muniz Sodré lembrou-se de tê-lo visto em algum lugar naquela noite e, tomando o exemplar do livro que colocara em sua pasta, releu para si mesmo a única dedicatória que o poeta havia feito de seu livro: “Para Ana Luíza. Este mimo de menina que de tanto estudar poesia foi transformada na própria!”

O texto estava quase que ilegível, pois fora feito de afogadilho, minutos antes do trágico acontecimento. O Diretor terminou de ler, e, estendendo o livro em direção à moça, disse:

- Tome! Este exemplar é seu!

Ana Luíza tomou o pequeno volume em suas mãos, manuseou com carinho o exemplar, sentiu a epiderme vibrar e, detendo o olhar na folha de rosto leu a dedicatória ali contida. Uma fortuita lágrima despencou de seus olhos e caiu sobre a assinatura do poeta ao fim da dedicatória.

Recompondo-se, disse para o Diretor:

- É meu sim! Ele foi meu professor de poesia e de vida. Mais desta do que daquela. Aprendi com ele os segredos da auto-aceitação.

- Parabéns! Respondeu o Mestre.

- Não poderia haver melhor professor para você...

Ao que a jovem emendou:

- E que é feito dele? Que lhe aconteceu?

- Não temos retorno ainda da equipe médica, mas, ao que tudo indica, a situação é grave, pois ele foi vítima de um ataque cardíaco.

Ana Luíza engoliu em seco. Despediu-se de todos e, apertando o livro do poetinha de seu coração contra o peito, retirou-se apressada do recinto. Tomou providências para retornar à sua residência, pois em poucos minutos já seria madrugada.

ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 10/04/2007
Reeditado em 10/04/2007
Código do texto: T444715