O Rei Caído – Capítulo II – Convencimento

Greenreef, antiga capital de Loivty, 21º dia de Hellenahy do ano de 635.

Éden, o rei de Longness, saiu visivelmente irritado da sala do trono real de Loivty. Vestia uma pesada capa de lã vermelha que escondia quase todo o corpo e o protegia do frio. Abaixo da capa, um camisão de seda branco e uma calça de veludo azul marinho. Não usava sua coroa real, mas ostentava uma bela tiara de ouro com brilhantes que reluziam com a iluminação dos candelabros do salão principal do castelo – muito amplo, porém um pouco menos luxuoso que o de Longness.

Passou por toda a comitiva real, que ainda estava trazendo alguns caixotes para dentro do castelo e falou com seu fiel conselheiro, Lorde Thierk:

— Preciso ter com você em particular.

Caminharam por um longo corredor com diversas portas para os quartos de hóspedes da comitiva – os quartos reais ficavam no andar superior do castelo. Entraram em um dos quartos, que estava vazio.

— Ele está irredutível! — disse o rei após verificar que ninguém podia escutá-los.

— Você disse que existem indícios fortes que Avalon pretende invadir Longness após o inverno? — o lorde perguntou. Vestia um longo manto de seda azul marinho e seus olhos negros olhavam para o rei com uma grande autoridade.

— Ele não acreditou! Disse que Avalon é um reino amigo! — Éden aumentou ainda mais tom de voz. – Disse que nossas fontes estão ERRADAS! — gritou ao proferir a última palavra.

— Acalme-se, majestade! Assim vão nos ouvir.

— O que faremos, meu caro? O que faremos? — diminuiu o tom enquanto andava de um lado para o outro no quarto, que, sendo um quarto de hóspedes plebeus, não possuía muito luxo: apenas uma cama bem arrumada ao centro, uma mesa no canto e uma caixa de madeira apoiada no chão, para guardar os pertences. Ao lado da caixa, um tigela que costumava ser usada para se lavar, porém ainda sem água.

— Teremos que tomar uma medida mais forte! Não podemos deixar nosso reino ser invadido! O degelo já vai começar.

— No que está pensando?

Lorde Thierk caminhou para a janela e olhou para o horizonte. Era noite, mas a luz do luar era muito forte e iluminava a terrível tempestade de neve que assolava o continente. Em Morgdan, acredita-se que, durante o inverno, a força de Leonar, deus da luz, diminui e de seu maior rival, Nosrredram, aumenta. A lua, principal representação do deus das trevas, parecia se deliciar com aquele momento de dor da população. Aquele era o pior inverno já registrado em Morgdan desde que o tempo passou a ser contado. E parecia anunciar o terrível destino que mundo teria à partir daquele dia.

— Precisamos matar o rei, assumir o trono e unificar os reinos! — disse o conselheiro real, com uma surpreendente tranquilidade, ainda fitando o horizonte.

— Como assim?! — o rei ficou assustado. — Ele é meu irmão! Eu o amo! Não posso permitir isso! Tem de haver outra saída!

— É a única saída…

— Não! — o rei tentou impor sua autoridade. — Não permito! Faremos de outro jeito! Isso é uma ordem!

— Majestade, sinto informá-lo que recebo ordens de alguém muito maior que o senhor. — Virou-se e encarou o rei. — Só funcionará se você matar seu irmão e declarar-se novo rei de Loivty! Com o maior exército do mundo, protegeremos Longness de Avalon e destruiremos todos aqueles que se levantarem contra nós! Pense bem. Será uma morte triste, mas necessária para salvar todo o continente.

— Isso é insano! Achei que estivesse do meu lado! Eu confiei em você! — Éden procurou sua espada, mas lembrou-se que a deixou em seu quarto, no segundo andar, por conselho do próprio Lorde Thierk, para evitar possíveis mal-entendidos com o rei Figho I.

Voltou-se para a porta. Pretendia chamar Sir Lean Gorthnow, seu guarda-costas pessoal, mas o lorde o interrompeu, segurando seu braço.

— Acalme-se, majestade. Estarei sempre do seu lado. Mas sirvo a algo maior. E você também servirá!

— A quem você serve, homem? Diga-me! — o rei estava apavorado. Pensava em gritar, mas não conseguia.

— Eu sirvo àquele cujo verdadeiro nome nunca deve ser pronunciado. À maior de todos as criaturas que já pisou sobre Morgdan! — enquanto o homem proferia essas palavras, seu corpo foi se transformando. Sua pele foi se endurecendo até ficar ainda mais dura que o aço.

O rei olhou assustado para a mão firme que segurava o seu braço direito e reparou que esta passou a possuir pequenas escamas. As unhas cresceram e viraram garras afiadas. E a pele mudou de cor. De um branco claro, passou para tom acinzentado, até atingir tons brilhantes que dançavam com o crepitar das velas do quarto. E então, todo o seu corpo brilhava como o diamante, até mesmo os fios de seu cabelo, os seus dentes e o fundo de seus olhos. Seria uma visão incrível se não fosse tão assustadora. E com uma voz grave como o estrondo de um trovão, ele completou sua frase:

— Eu sirvo àquele conhecido como o Dragão de Diamante!

Aquela criatura, que se assemelhava à uma estátua de diamante, mais bela que as mais perfeitas jóias produzidas pelo melhor anão joalheiro do mundo, movendo-se com uma grande destreza, segurou o outro braço do rei e levou seu rosto até bem próximo do seu olhar. E, olho no olho, perguntou com aquela voz grave:

— E o que você fará, majestade?

E Éden, rei de Longness, respondeu com uma voz estranhamente suave e tranquila:

— Irei matar o meu irmão.