Parábola das mãos.

Somente o silêncio se fazia ouvir, de vez em quando alguns pássaros gorjeavam tão harmonicamente como numa orquestra da mais alta fidalguia. O vento soprava calmo e silente, e ia escabelando a melena castanha de um prodigioso menino que vivia o final dos tempos da révora. Este menino estava sentado em uma pedra no alto de um mirante, um serro que formava um belvedere natural, onde ele contemplava paisagem de uma pequena cidadezinha que estava à frente de seus olhos.

Então, com um gesto bem sutil, foi erguendo sua mão até a altura de suas vistas com o braço bem retilíneo, como se quisesse alcançar alguma coisa. E de fato ele queria alcançar algo, em seu profundo pensamento ele alcançava a cidadezinha. A mão esquerda tirava - lhe o cabelo dos olhos, enquanto a outra atravessava bosques e rios, tocava a torre da igreja, as telhas dos pequenos edifícios, as pessoas que corriam apressadamente para trabalhar, sua mão tocava tudo o que queria.

O silêncio que se fazia soberano não mais se fez:

- Nossa! Com minha mão é imensa! Ela é maior que os carros, que os ônibus, que as avenidas... É maior que as praças, que as casas, que as vilas... -Disse o menino deslumbrado com as potencialidades de sua mão.

Sua solidão foi logo quebrada com a chegada de um sábio ermitão que morava ali no serro:

- É fácil ser feliz aqui?! - Disse o sábio em um tom de afirmação e ao mesmo tempo de indagação.

- Sim, é fácil. Aqui a minha mão é maior que a cidade e eu posso tocar o que quero!

- Podes mesmo!

- Sim posso.

- Então edifiques uma vila para acomodar os que não têm casa, uma escola para ensinar os que não têm como aprender, acarinhes aquela multidão para espalhar afeto entre os homens... - Logo o horizonte que o menino contemplava tomou sua verdadeira dimensão, e a felicidade que ele acreditava ter era mera ilusão.

Uma tempestade que estava pronta a se precipitar obnubilou a paisagem da cidadezinha, e aí o ermitão falou ao jovem prodígio:

- Vá depressa! Antes que a chuva se misture com as tuas lágrimas. Ah, outra coisa! Deixes a prepotência de lado e ponhas amor em teu coração. - O menino desceu o serro desvairadamente até a cidadezinha, mas no caminho tropeçou em uma pedra e cortou as duas mãos nos espinhos de uma roseira, mesmo assim, a dor nas mãos era menor que a do coração, e ele limpou o sangue em seu jeans desbotado e continuou sua jornada.

Depois de ter descido o serro, o rapaz ainda tinha uma planície a percorrer. A fadiga muscular dominava o seu corpo e ele já não corria, mas seguia caminhando.

A poucos metros de si, ele avistou um bar, onde foi pedir água. E um grupo de homens bem alegres que há muito tempo não estava sóbrio, sugeriu ao rapaz:

- Vem cá com a gente vê o jogo!

- Qué tomá uma ceva gelada a noite inteira?

- Vamo ouvi a nova dança do momento! - Era tanta gente falando ao mesmo tempo que o jovem ficou um pouco atordoado, mas logo refêz o seu raciocínio e respondeu:

Não posso, tenho que chegar até a cidade! - E um velho grosseiro de aspecto repulsivo disse ao moço:

- Fique aqui, lá na cidade só tem coisa ruim.

- Não obrigado, tenho que partir, um desafio me espera! - E o moço partiu com uma admirável convicção interior.

Chegando próximo aos arredores da cidadezinha, uma bela moça que lia um livro na varanda de sua casa, para ele sorriu meigamente e fitou - o nos olhos, e neste momento houve a mútua entrega dos corações embebidos no amor.

A mesma mão que contornava pontes e rios, agora contornava os róseos lábios da bela moça. De mãos dadas com o seu amor, o homem corria mais que nos tempos da révora, e então conseguiu chegar até a cidade.

Ele não conseguiu edificar uma vila inteira, mas ajudou a construir algumas casas. Não ensinou a todos, mas algumas pessoas aprenderam muito com ele. Não conseguiu acarinhar toda uma multidão, mas estendeu a mão para um velho pedinte.

E aquela mão que antes alcançava a torre da igreja, agora mal conseguia alcançar a maçaneta de suas portas. E de repente, o homem de melena castanha virou - se para trás e avistou ao longe o mirante de onde ele se contemplava com a paisagem da cidadezinha. E com um gesto bem sutil, ergueu sua mão esquerda até a altura de suas vistas, com o braço bem retilíneo, e aí percebeu que a sua mão era maior do que o serro