Eu sou um guerreiro

Eu sou um guerreiro. Um cavaleiro, um herói, sou qualquer coisa parecida com isso. Sou tudo isso mas não exatamente nenhum deles. Desde sempre venho me preparando para minhas batalhas, minhas lutas, minhas guerras. Venho me preparando para embates que nunca vou chegar a travar. Sou um guerreiro derrotado, um cavaleiro deslocado, um herói fracassado. Sou um fracasso por nunca ter lutado as batalhas para as quais eu me preparei, um fracasso por nunca ter lutado as batalhas para as quais eu não me preparei. Fui sozinho a um campo aberto, vazio, esperando uma grande guerra, e fui vencido pelo fato dessa guerra nunca ter acontecido. Toda a minha preparação foi em vão. Todo o meu treinamento, todas as minhas falhas seguidas de sermões e superações, todos os meus ocasionais sucessos não me prepararam para o fato de que a guerra que eu tanto esperava não veio, e nem virá. Meu deslocamento não é questão de alguns anos, nem de décadas, séculos, milênios. Meu deslocamento está além do tempo. Meu deslocamento também não é espacial. O tempo que eu espero nunca veio, e nunca virá; o lugar que eu procuro nunca existiu e nem existirá. Minha vida foi uma grande piada mal interpretada. Ao meu lado tenho muitos outros guerreiros, alguns ainda esperam o grande dia, outros já não o esperam mais. Eu já não espero por nada. Passei muitos anos aprendendo a identificar os vilões que eu viria enfrentar, e eles eram vários. Bruxos, cavaleiros, monstros, dragões, demônios, deuses. Eu esperava um exército de bruxos e cavaleiros corrompidos, eu esperava um monstro num pântano, numa caverna, um dragão numa montanha, demônios no submundo ou deuses nos mais diversos lugares. Eu esperava inimigos de quase todos os tamanhos e formas. Eu aprendi as mais variadas técnicas e táticas de combate. Eu dominava as artes marciais, eu dominava as artes arcanas, eu dominava desde espadas e lanças até pistolas e lasers. Eu seria capaz de domar feras, feras diversas, lobos, águias, tubarões. Tudo que eu passei a vida aprimorando já não me serve de nada. Nunca me serviu, na verdade, mas não quiseram me avisar. Com o passar do tempo eu acabei percebendo. Depois de inúmeras derrotas, depois de apanhar para adversários que eu jamais sonhei enfrentar, batalhas que eu nunca pensei que lutaria, um dia eu percebi que eu fui enganado, meu inimigo era outro. No fim, os verdadeiros vilões me treinaram. Foram eles que montaram esse exército tão grande, tão poderoso e tão inútil. O mal que eu sempre fui condicionado a buscar, o mal contra o qual eu sempre fui condicionado a lutar, esse mal não existia. Eu hoje só erro tão pequeno por entre os passos longos dos meus inimigos, tentando não ser pisoteado e morrendo de medo de olhar para cima. Nem sequer olho para frente, só me atrevo a olhar para baixo, procurando alguém menor ou tão pequeno quanto eu. Mas já venho percebendo o quão pequeno eu sou. Derrotado pela luta que eu nunca pude lutar e pelas lutas que eu sempre evitei lutar. Dando a cara a tapa ou tirando o corpo fora, tudo acaba em derrota. Eu sou um guerreiro não apenas derrotado, eu sou um guerreiro completamente destruído e inválido.

Pedro Paz
Enviado por Pedro Paz em 10/03/2018
Código do texto: T6276160
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