O poeta do vermelho

Há quem diga que os homens que desenvolvem habilidades artísticas, não gostam de trabalhar. Para estes entendidos em gente, as artes tem um tanto de ócio embutido.

O Juan Lico ganhou habilidade com as trovas dos tempos em que fazia os seus serviços no balcão do bar da capital argentina. Tornou-se um mestre na elaboração de rimas. Pena que não tiveram a visão de gravar ou registrar em livro essa sua genialidade durante seus 55 anos de homem de letras, desde que começou aos quinze até morrer nos seus setenta anos.

Nas horas vagas, Juan Lico escrevia poesia e desenhava. Retratou uma parte da sua vida em versos, os belos tempos de escola até a maturidade. Escrevia num bloco de papel que infelizmente esqueceu, um dia, no ônibus e se perdeu para sempre nas mãos de uma criança que usou as folhas manuscritas para confeccionar aviõezinhos de papel. Um destes poemas que escreveu era sobre a revolução cubana, dos tempos de Che Guevara. Mal sabem aqueles que apreciam poemas que deste, surgiu uma invenção de sucesso do Juan Lico: o abridor de garrafas vermelho.

A foice e o martelo foram dançando, abraçadinhas na sua mente, em meio às estampas de Fidel e Guevara. A visão idealizada foi o que botou com beleza no papel do bloquinho, depois rimou palavras certas, linha por linha, e aí, remou contra o sistema capitalista, ao menos no conteúdo. Na hora de fazer um desenho no pé do poema escrito, Juan Lico quis fazer antes um molde do ícone comunista com hastes de metal. Entortou o filamento feito o formato de uma foice. Botou um martelinho de desfiar pedras, igual ao usado por geólogo amador, na parte côncava da haste entortada e dobrou-a sob o martelo. Pronto: estava criado o molde de um abridor original para garrafas. Na hora, nem pensou. Foi com o tempo que o usou no bar. A ponta da foice prendia a parte superior da tampa e o dente do martelo retirava o friso da tampa da garrafa. O inverso também funcionou bem. A ponta da foice encaixava no friso da tampa, enquanto o batente do martelinho sustentava por cima para dar o efeito da alavanca de Arquimedes. Ao fazer o protótipo abrir as garrafas de cerveja no seu trabalho de balconista de bar, percebeu a utilidade da engenhoca. Deu-se então o pulo do gato. Patenteou o aparato, depois de ter feito centenas de peças. Vendeu todas. Algumas peças eram multicoloridas, outras somente vermelha, com a efígie do guerrilheiro. Enfim, o empreendedor superou o poeta. Pouco se sabe do que escreveu, mas em todo país, cada família tem o seu "vermelho" na gaveta do armário da cozinha. Antes de morrer, tinha comprado uma casa com os direitos autorais dessa invenção que já estava no domínio público em diferentes portfólios de várias linhas de montagem da indústria metalúrgica argentina. Enquanto vivo e a todos, o anônimo inventor, no entanto, se dizia ser um poeta.