Árvore

A árvore crescia em meio à exuberante floresta tropical. O solo rico e a abundância em chuva e sol permitiram-lhe desenvolver-se pujante ao longo de centenas de anos, até tornar-se a mais alta e frondosa da região. Podia ser vista de longe, e em seus galhos miríades de aves faziam seus ninhos, animais procuravam sua sombra, suas sementes e frutos. Irradiava vida, e era parte essencial daquele pedacinho da grande mata.

Porém, nos últimos anos, movimentações estranhas começaram a acontecer ao seu redor: os bichos escasseavam, com os remanescentes fugindo para longe. Logo seus galhos outrora vicejantes foram tornando-se vazios de animais, e ela foi ficando preocupada com isso. Quando um grupo de pequenos macacos passou apressado por ali, resolveu perguntar-lhes a razão daquilo tudo. Responderam-lhe:

- Você não sabe? Uns homens vindos de longe estão caçando vários animais, e derrubando muita selva. Dizem que eles fazem coisas conosco, com as peles, carnes e madeiras, e depois preenchem o terreno vazio com criações de gado e plantações. As coisas estão difíceis, e estamos todos indo para o interior da floresta.

A árvore alarmou-se. Como tal coisa poderia acontecer? Estava no auge de seu amadurecimento, podia proporcionar muitos recursos para o bom funcionamento do ecossistema por muitos e muitos anos ainda, e não imaginava sua vida fora desse esquema. Já tinha povoado grande parte da floresta com sementes e mudas, oferecido guarida para gerações e mais gerações de animais, e isso era a alegria de sua vida.

Pensando que poderia ser derrubada precocemente por forasteiros, entristeceu-se. Resmungou lamuriosa, ao que foi ouvida por uma família de araras, que redarguiram-lhe, pesarosas:

- Pois é, minha amiga. Sabemos de tudo o que fez por nossa família, mas infelizmente certas coisas acontecem sem que tenhamos controle sobre elas. Só nos resta fugir - nós, que podemos. Sentiremos muito a sua falta, mas o destino dos que estão aqui é terrível. Acreditamos que no meio da floresta os homens não chegarão, então vamos para lá. Se pudéssemos, levaríamos você conosco, mas você sabe que não temos o que fazer. Então, adeus. - E partiram, grasnando.

Conforme os dias e noites foram passando, e os bichos rareando, as árvores puderam sentir a presença crescente dos homens devastando as fronteiras, e a lamúria foi geral. Espécimes centenários choravam a morte precoce dos pequeninos, e as mudinhas lamentavam seu destino fatal. A árvore estava atônita, e custava-lhe acreditar naquilo. Parecia-lhe que, enfim, seu fim estava próximo.

Mas não. Aquilo não seria justo. Como tanta beleza e equilíbrio seriam, sem mais nem menos, quebrados em prol dos interesses dos homens? “De fato, irmã, isso não é justo. Mas não há o que fazer”, alguém choramingou para si. A árvore ficou em silêncio e pensou no que poderia ser feito. Refletiu muito tempo sobre tudo o que via e ouvia, e por fim tirou uma conclusão: ela deveria ir embora dali.

As outras não acreditaram na insanidade daquilo: “Mas como, se nossa natureza é assim, plantada no chão?”. “Ora, como você pretende se mover com essas raízes enormes tão profundas na terra?”. “Você deve estar maluca, irmã. Aceite seu destino”.

Por fim, contrariando tudo e todas, a árvore estabeleceu que aquela era a única opção que aceitaria. Não queria morrer ali, indefesa. Novos tempos exigiam novas atitudes. Afinal, aquilo era a evolução, não? Quem não se adapta, morre; e ela não iria morrer.

Concentrou toda sua força, sugando uma tremenda dose de energia das vastas reservas da floresta. Vicejou ainda mais exuberante, deixando todas ao redor impressionadas. Enfim, com muito custo, conseguiu mover uma raíz. Depois outra. E outra, e mais outra, até adquirir o ritmo. As demais plantas, sem conseguir acreditar no que presenciavam, ficaram atônitas com a determinação daquela gigante movendo-se desengonçada sobre o solo da floresta. Não tardou, e já estava longe, alcançando os animais, que se emocionaram com a cena. Por dias e noites ela deslocou-se, indo para mais e mais longe dos homens ao meio da selva, e não havia rio ou morro que a detivesse. Quando finalmente encontrou um lugar que fosse seguro e estivesse à altura de suas necessidades, parou, instalando-se.

A euforia dos bichos e árvores foi total, e aquela história tornou-se célebre em toda a grande floresta. Exausta da longa marcha, a árvore pôde enfim descansar e continuar a brotar vida em si e ao redor, tal qual outrora. Pássaros aninhavam-se em seus galhos, e animais procuravam suas frutas, sementes e sombra. Mesmo alguns homens iam visitá-la, surpreendidos com o tamanho e poder emanado pela agora já milenar planta. E, por conta daquele espécime tão especial e raro, decretaram que aquela parte da floresta estava protegida, e o desmatamento não a alcançaria. E, assim, a vida naquele santuário tão especial pôde continuar até hoje, de onde se vê ao longe a copa majestosa da grande árvore que inspirou tanta vida pela sua existência.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 20/07/2018
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