Pelos poderes a mim conferidos

Quando Tarik, ministro do Canato de Djaghar, foi informado de que a comitiva do Reino de Ashur havia chegado, dirigiu-se imediatamente ao salão de audiências da Chancelaria acompanhado por dois de seus oficiais. A comitiva era composta por quatro pessoas: duas mulheres jovens, ricamente vestidas com vestidos debruados em ouro, uma delas em estado avançado de gravidez, um ancião que pelos trajes deveria ser um monge... e uma criança, um menino de cerca de 10 anos de idade, cabeça raspada, talvez um aprendiz do monge.

- Gentis damas... cavalheiros... eu sou o ministro Tarik - cumprimentou-os com uma vênia. - Estou honrado em receber a comitiva de Ashur... mas não vejo entre vocês o embaixador plenipotenciário.

A mulher grávida, num suntuoso traje vermelho escuro entretecido de fios de ouro, o cabelo armado num penteado intrincado e preso com grampos de nácar, curvou ligeiramente os joelhos e tocou o próprio peito com o leque de seda, fechado, que trazia na mão direita.

- Eu sou Lohasinga, embaixatriz plenipotenciária de Ashur.

Tarik encarou-a atônito.

- Perdão, madame... desconhecia que enviariam uma mulher como representante do reino.

- Quando o assunto é importante, Ashur sempre envia uma mulher para representar os interesses de Estado. Se o assunto é importante e grave, designam uma mulher grávida. E aqui estou eu, ministro.

Tarik pensou com seus botões que Ashur deveria ser um local ainda mais bizarro do que os contatos iniciais com mercadores de Djaghar poderiam fazer crer; mas eles haviam cruzado todo o Mar Brilhante e ali estavam. Era hora de fazer negócios.

* * *

No salão de reuniões, sentados frente a frente de pernas cruzadas sobre coxins de couro, uma mesa baixa entre eles, Tarik e Lohasinga encararam-se. Atrás do ministro, numa distância respeitosa, tomaram assento seus dois oficiais. Atrás da embaixadora, em igual distância, o trio heterodoxo de Ashur.

- Li suas credenciais e não tenho dúvidas de que é realmente a representante plenipotenciária do seu reino... - declarou Tarik. - Mas, diga-me, se posso lhe perguntar tal coisa: como surgiu esse costume de enviar uma mulher grávida para tratar de assuntos tão graves?

- Justamente pelo fato de que são graves, ministros - redarguiu Lohasinga. - Quem melhor do que uma mulher grávida - representando o presente e o futuro - para tomar decisões que irão impactar na vida atual e na daqueles que estão por vir?

- Entendo... e os seus acompanhantes? Como eles se encaixam nessa definição?

- A religião - e também o passado - é representada pelo monge Meher, que está aqui para nos dar conforto espiritual, mas de modo algum determina minhas ações. Mishra é uma mulher do povo e minha serva pessoal, e o menino, Aryamin, é filho de um dos nossos mais habilidosos guerreiros.

- A questão da serva e do monge eu até entendo, mas por que o menino e não seu pai?

Lohasinga abriu o leque de seda, no qual estava pintado um dragão azul debruado de dourado.

- Porque Aryamin será guerreiro um dia, e é recomendável que veja como o seu reino irá tratar os representantes de Ashur. Se formos bem tratados, nada terá que temer da geração de guerreiros da qual Aryamin fará parte.

Tarik pensou que a mensagem que a embaixatriz estava lhe dando era: "veja como somos inofensivos... ao menos, se formos respeitados". Fez uma vênia com a cabeça e começou a abrir os rolos de papiro, onde estavam os termos do acordo comercial que seriam discutidos entre os dois reinos.

[Continua em "Escamas de dragão"]

- [06-09-2018]