Seiva da terra

Seiva da terra

Quantos sonhos, foram alimentados pela busca incessante da glória, do poder, e da riqueza proporcionada pelo ouro, palavra amarelada na boca de tantos que passaram a vida a procurá-lo, movidos pela ilusão de um dia pôr a mão na tão sonhada pepita, de encontrar um grande aluvião. Fugia da idéia de que muitos nunca chegariam a ver o brilho reluzente do tal metal. Que fosse pedra, ou em pó, não importava a forma como se apresentasse, pôr ele se viveria, pôr ele até se mataria, tudo seria uma questão de tempo, já que não acreditava em má sorte ou coisas de destino.

Via a sua frente o grande filão, a correr apressadamente no solo, a serpentear entre as pedras como a festejar a liberdade...

Podia sentir literalmente o gozo daquele instante, dentre tantos orgasmos matinais, aquele era diferente, notava-se pelo dourado, brilhante a desfiar-se em formas caprichosamente torcidos, que desfaziam-se ao chocarem-se nas pedras, transformando-se em um leque de gotículas brilhantes... Já não importava o que fazia ou não sentido, ao rebuscar na memória, as lembranças do seu tempo de menino.

No frio daquela manhã, sentia a densidade e o calor do fluido que transvazava como lavas montanha abaixo. Aquele líquido quente a escoar entre suas mãos lhe trazia a mente reminiscências da infância simples, vivida a beira de um rio, onde aprendera a nadar, onde cortava com maestria a imensa correnteza, forte para o seu tamanho, mas pequena frente a sua determinada coragem de quem não avaliava o perigo. Imaginava ser um peixe, mas quando imerso, a falta de ar lhe devolvia a realidade humana, de um ser predestinado a viver fora d’água. Nunca desistia, mergulhava mais e mais fundo, às vezes quase não conseguia voltar à tona, a subida parecia interminável, o peito ardia com a falta do oxigênio. Uma vez abastecido, respirava fundo recuperava o fôlego e voltava a mergulhar profundamente, submerso nadava com braçadas cada vez mais fortes e conseguia chegar sempre mais longe para só então voltar a encher os pulmões do mais puro e desejado ar.

Posição firme, pés apoiados na areia, ficaria o tempo que fosse necessário, fizera sempre assim quando menino, brincava sempre ao jogar um jato mais longe, porém, jamais tivera boa pontaria, nem conseguira desenhar nada significante, contentava-se com formas circulares que sulcavam a terra em forma de espirais, que terminava sempre com uma linha pontilhada em sentido contrário. Tivera infância sim e vivera tempos inesquecíveis...

Terminado o transe, observa com pesar ao seu redor a destruição causada pelas máquinas. Seu pensamento divaga ao contemplar as muitas fendas abertas na terra com a atividade predadora do garimpo, contaminando de metais pesados a seiva da terra, que dava forma aos muitos igarapés, que ostentavam toda sua essência, ao escorrer do seio da mata, agora transformados em canais de lama a escorrer sem muita pressa.