NÃO SOU VENENOSA

     - Verdadeiramente, não há nada mais importante que a vida. Todos os seres vivos possuem uma história e devem ser respeitados por isso. Dizia a matriarca compenetrada ao seu incontável número de filhos.

     De fato, essas palavras levaram todos os filhos a um intenso momento de reflexão. Quanta sabedoria e coerência ditas em tão breves e singelas palavras.
     Realmente, todos os seres vivos, sem exceção, animais ou vegetais, possuem uma história de vida. Algumas vezes demasiadamente breves, outras, assustadoramente longas.

     - O mundo é feito de vida – Repetia incessantemente a mãe.

     Esse era o ensinamento mais importante e presente na cabeça de cada filho, mais intensamente nos vívidos pensamentos de Joana (uma das filhas mais irrequietas).
     Há tantas formas de vida que se torna praticamente impossível conhecê-las e nominá-las todas. Desde seres incrivelmente minúsculos até alguns gigantes da natureza. Uns racionais, outros não.
     Contudo, a natureza em sua infinita sabedoria, por vezes, parece perversa. Alguns seres vivos necessitam se alimentar de outros seres vivos para poder sobreviver. Sabedoria sim, pois, em razão disso, evita-se a superpopulação de algumas espécies e mantém-se o equilíbrio natural, ou seja, a morte, infelizmente, faz parte do ciclo vida. É um difícil, mas necessário entendimento.

    - Jamais um ser vivo deve tirar a vida de outro ser, se não for única e exclusivamente com o objetivo de se alimentar. Lembrava a preocupada mamãe.

     Ensinamentos que eram seguidos rigorosa e orgulhosamente por todos os filhos, afinal, não havia um mínimo de lógica em se tirar a vida de alguém por outro motivo, que não o de se alimentar. E assim, seguiam com suas vidas pacatas.
     A vida não era fácil para aquela família. Havia momentos de muita dificuldade e o cuidado com sua própria segurança era uma das preocupações mais constantes. Joana já havia perdido alguns de seus irmãos. Era uma triste e dura realidade. Porém, a motivação e o trabalho eram características indeléveis de toda a família. Cada dia de vida era comemorado como uma grande vitória.
     Em sua simplicidade, Joana possuía uma visão limitada do mundo, era ainda muito jovem e imatura. Acreditava que todos os seres vivos seguiam os mesmos ensinamentos e princípios apregoados por sua sábia e querida mãe, que o mais valioso e respeitado bem de todos era, inquestionavelmente, a vida.
     Porém, um certo dia quando caminhava pensativa próximo a sua casa, ouviu gritos estridentes e pavorosos. Em meio a tanta confusão conseguia ouvir apenas:

     - Mata!!! Mata!!! É venenosa!!!

     Joana não conseguia entender o que estava acontecendo e o temor tomou conta do seu ser.
      Em questão de segundos, percebeu uma imensa sombra se aproximando de seu frágil corpinho. Não havia mais o que fazer... A morte era iminente e os breves questionamentos eram inevitáveis:

     - Por que estavam fazendo aquilo???!!!
     - Por que não consideravam sua vida importante???!!!
     - Iriam se alimentar dela???...

     Enquanto sentia seu corpo ser esmagado pelo gigante pé humano, em um último rompante de consciência que lhe era possível, apenas sussurrou:

     - Não sou venenosa... Não sou venenosa...

     Assim, a feliz família perdeu mais um de seus amados e mais queridos membros, pelo simples e terrível fato de ter nascido uma “aranha”.