A Sociedade da Lança - Parte 10: Salvamento

Kiha tinha saído poucas vezes do Bosque das Cerejeiras, sempre acompanhada dos guerreiros adultos, mas era de obrigação de todo aprendiz kitsune conhecer as fronteiras geográficas do seu lar. Sabia que ao norte estavam as terras da Grande Planície, ao sul o imenso paredão montanhoso dos Escudos Rochosos, a oeste os territórios dos clãs samurais e ao leste o bosque termina no maior de todos os rios de Endo, o grande Tayoukin, o Rio do Sol Dourado.

Entrar diretamente nas terras do clã Jihu, numa linha reta, não seria uma boa ideia. Com certeza eles tinham muitas patrulhas percorrendo o território, vigiando quem entre e sai. A melhor opção seria seguir pela margem do grande rio e evitar ao máximo contatos indesejados com guerreiros.

Kiha sabia da existência de algumas aldeias de pescadores na região, lugares onde poderiam encontrar, esse era seu plano desde o início, ajuda para navegar rio acima e chegar mais rápido às montanhas no sul. Desde que saiu do Bosque da Cerejeiras, forçou o passo para alcançar o mais rápido possível seu objetivo, pois sabia que quando seu irmão acordasse e revelasse sua fuga, Rida-sama formaria alguma equipe de busca.

Para evitar que ela e Gurin tivessem a surpresa de serem alcançados por uma patrulha kitsune, Kiha, assim que saiu do bosque, assumiu sua forma ancestral, transformando-se numa grande e bela raposa branca, tendo Gurin como seu pequeno cavaleiro. Desta maneira poderia percorrer por entre a vegetação, evitando assim as trilhas conhecidas e encontros desagradáveis com samurais.

E não demorou muito para que algo de fato acontecesse.

O Tayoukin possui um braço que começa ao norte e percorre todo o Bosque das Cerejeiras por dentro. Para todos aqueles que desejem sair definitivamente, pelo norte ou sul, das terras kitsune, precisam atravessar esse rio. E foi isso que Kiha e Gurin fizeram assim que alcançaram o melhor ponto, onde pedras formavam uma rústica ponte natural.

Logo depois, quando Kiha já estava em sua forma ancestral, com Gurin em suas costas, a dupla ouviu um forte ruído de galope de cavalo em velocidade. Kiha aguçou ainda seus sentidos, em especial o faro e a audição. Poderia ser uma patrulha samurai. Se fosse, seria um grande azar encontrar uma logo no início da jornada.

Os dois se esconderam na mata, observando uma pequena estradinha que passava próxima, e viram quando dois cavalos, ainda ligados lado a lado, passaram em disparada arrastando o que parecia ser os restos de uma carruagem. Junto aos destroços de madeira viram uma imagem aterradora. Havia um corpo sendo arrastado junto. E o pior, logo a frente o destino dos animais seria um grande barranco íngreme. A queda, com certeza, seria fatal.

- Kiha, veja, é uma garota humana – alertou Gurin – Está morta?

- Não importa. Isso a gente descobre depois – Kiha saiu em disparada em sua forma ancestral, com Gurin lutando para se manter montado.

Kiha forçou o máximo que pôde em suas quatro patas para alcançar a garota. Os cavalos eram rápidos, mas ela precisava ser mais. Em alguns segundos já estava bem próxima dos destroços da carruagem. O barranco também estava cada vez mais perto. Assim que se aproximou, percebeu que o manto da garota estava preso num pedaço de madeira.

- Gurin, vou puxá-la pelo manto, mas preciso que você a solte – Kiha gritava para o goblin enquanto tentava manter o ritmo da corrida. A carruagem balançava muito, o que dificultava a precisão do resgate.

- Não consigo – Gurin gritou de volta – Meus braços não alcançam aquele ponto – montado na raposa, com o corpo trepidando, jamais conseguiria tirar a garota de onde estava presa. O que fazer? O tempo urgia.

- Rápido, Gurin, pense em alguma coisa. Agora – Kiha gritou ainda mais alto.

Gurin torceu para que sua ideia desse certo. Foi a única coisa que pensou naquele momento de tensão. Posicionou o arco, armou rapidamente uma flecha e fez mira. O braço tremia demais. Só daria para um disparo, pois o barranco estava logo a frente. Kiha não largaria a garota, sabia disso. Cairiam todos.

“Guiem minha flecha”

O pedido aos espíritos ancestrais foi atendido. O disparo foi certeiro e a flecha cravou exatamente no ponto onde a roupa da garota estava enroscada, quebrando o resto da madeira e libertando-a.

Isso aconteceu bem a tempo de Kiha puxar o corpo e travar as patas dianteiras, agarrando a terra com as garras para frear a corrida. Deslizou alguns centímetros e parou na borda do barranco a ponto de, infelizmente, ver os dois cavalos despencarem violentamente no terreno abaixo. O suporte que os prendia lado a lado se partiu e os pobres animais rolaram para a morte.

De cima, envoltos numa pequena nuvem de poeira, Kiha e Gurin observavam tudo com os olhos arregalados de medo. O goblin precisou agarrar com toda força os pelos da raposa para não ser arremessado pela inércia. Por pouco não caíra também.

- Graças aos Kami, conseguimos – disse Kiha, já voltando a sua forma normal de kitsune. Estava bastante ofegante e começou a observar os sinais vitais da garota.

- Sim, conseguimos – falou Gurin

- Ela ainda vive – Kiha esboçou um sorriso de contentamento. Mas o corpo da garota estava bastante escoriado, com arranhões em várias partes. Suas roupas estavam imprestáveis.

- Mas precisamos sair daqui logo e cuidar dos seus ferimentos – completou a kitsune.

- O que será que aconteceu? Algum tipo de acidente? Podem estar procurando por ela – falou Gurin.

- Isso não importa agora – respondeu Kiha – Não sabemos a gravidade dos ferimentos, precisamos levá-la para um local seguro onde possa repousar enquanto fazemos algo.

- Se estivéssemos nas montanhas, eu saberia o que fazer. Lá tem muitos musgos curativos.

- Eu conheço algumas ervas curativas. Só preciso encontrar. Mas antes preciso fazer outra coisa. Vamos embora.

Os dois saíram carregando a garota desmaiada mata adentro. Não sabiam que, não muito longe dali, ela já estava sendo procurada.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 25/07/2019
Código do texto: T6704681
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