A onça e o vaga-lume
Em uma densa floresta vivia uma família de felinos, entre os filhotes, uma oncinha, que, logo, empreendeu ronda pelo seu território; emancipou-se, e, solitária, caçava os seus alimentos.
Em um de seus passeios noturno, nesse vasto território, a orgulhosa onçinha interpela aquele a quem admirava por sua coragem ; um intrépido vagalume que a muito a acompanhava.
Sem mais delongas,disse-lhe a onçinha :
- todos conhecem a força das minhas garras; assim como os outros, não tens medo, por que me segues ?
O destemido e, aparentemente, incauto vaga-lume, direcionou o seu olhar para as montanhas que os cercava, e, como quem nada quer disse a interpelante.
- Sou apenas um vaga-lume, tenho hábitos noturnos, assim, como você, sou um predador, estou a procura de.....
- Você não sabe que eu sou uma predadora feroz?
Ao Interrompê-lo, abruptamente, insistiu a onça... mas, sem resposta, ciente de sua inegável superioridade, aproximou-se, e, sorridente, desarmada, prosseguiu questionando-o sobre esse encontro inusitado.
- Estou lhe vigiando, faz tempo ! Estou de olho!
Tímido, e, em tom respeitoso, finalmente, respondeu o vagalume :
- Que posso eu fazer contra ti ? sou um mísero pirilampo!
E, olhando-o, diretamente, mais uma vez disse-lhe a onça :
- Ensina-me o segredo do seu brilho e lhe darei proteção. Dar-lhe-ei a minha vida, se necessário for!
Surpreso, pensou o vagalume:
“De onde saiu essa”. mas, antes que a onça ouvisse os seus pensamentos ou percebesse qualquer malícia na sua expressão; disfarçou e, prepotente, exibiu suas asas, e, em voo, rápido, se chegou, reafirmando, assim, com sua postura, a condição de macho; e, já, bem próximo, disse fogoso, o pirilampo:
- Eu também luto pela sobrevivência, tenho outras armas, mas, ao final, a luta é a mesma para todos, tenho que sobreviver...
A onça, então, reflexiva, sem resposta, disse-lhe:
- Tenho a nítida impressão de que tu me segues, posso perguntar o porquê?
Disse, então, o pirilampo :
- Tenho uma proposta, lhe ensinarei a brilhar, mas, a fim de manter o segredo em família, peço-lhe, desde já, em casamento.
Incontinente no seu desejo, radiante; pensou a onça que, além de poderosa e forte, após, o trato com o pirilampo, desfilaria o seu brilho por entre as árvores e arbustos, e, sem, qualquer, dúvida seria reverenciada; mais temida pelos, demais, animais mortais.
A Onça sabida, não joga para perder:
Em suas conjecturas, supunha que o pirilampo, “inofensivo”, mesmo depois dos poderes advindos do casamento; jamais a enfrentaria, e, uma vez, casada, conforme as leis da floresta, o pirilampo revelaria o seu segredo e, assim, a onça realizaria o seu sonho..... continuaria a ocupar o status de onça mais temida que um leão, e, bioluminescente, única, e, última, no mundo dos animais predadores.
Por outro lado, o pirilampo, surpreso e apreensivo, sabendo que não podia honrar a sua promessa, não entendia como conquistara aquele exemplar felino; atônito, se perguntava como garantiria até o casamento, a confiança daquele nobre e invejável espécime, que, ao contrário dos vagalumes, não estavam em fuga; em extinção.
O progresso e as construções das grandes cidades, arrastou o mundo dos insetos. Uma realidade devastadora se lhes apresentava, todos os insetos sabiam e sentiam-se ameaçados. As luzes artificiais das grandes cidades, ofuscavam o seu brilho que era a sua defesa, o sinal de comunicação entre os seus, a continuação de sua espécie. Sem seu brilho, solitário, “às escuras”, nos arredores, nas grades de uma grande cidade, continuaria a procurar, eternamente, por uma parceira.
Nessas condições, não haveria de tentar um novo encontro, terminaria solteiro; melhor as matas, as florestas; encarar e arriscar o casório com a onça.
E assim foi feito.....No dia marcado, a onça e o pirilampo se uniram em matrimônio.
Foi o casamento mais disputado de toda floresta.
Todos indagaram, o que motivava aquela união?
Incógnitos, os nubentes guardavam em segredo o seu inconfessável, e, misterioso, acordo.
Pelas leis mágicas da floresta, uma vez unidos, de livre e espontânea vontade, as energias que a tudo rege, estariam livres para atuar; fariam a transmutação desses seres, até, então, distantes.
A onça, convicta, segura, não teve dúvidas; o pirilampo, sem saber o que de fato ocorreria, sem saída, entregou-se a transformação do matrimônio .
A cerimônia foi dirigida por um ancião, o animal mais velho; nesse caso, pela ordem superior das leis, coube ao leão Nobel, e, iniciou-se assim:
- “ Nesse momento, neste altar, pela vontade dos noivos, Cesse ! Transmute-se! O que foram e o que seriam, em união, serão! o novo!
- Depois de unidos, interrompido está o que viriam a ser naquilo que foram; naquilo que suas vontades permitiria.
- Transmutem-se, transformem-se!
- Após, unidos, lembrai-vos de que por assimilação, passarão, e, que, o poder da vontade materialize a energia, a forma, o corpo; o necessário à continuidade dessa união e de sua descendência !
O leão Nobel, encerrou a cerimônia e prosseguiu :
- Em nome de Deus e de todos os seres aqui presentes, eu os declaro prontos para o sono, o resguardo e a mutação.
- Viva o casal!
Todos aplaudiram.
Ela em busca de luz, conhecimento ; e, ele, o pirilampo, sem se importar com as aparências, estava em busca de vida, do essencial, do trivial; era um fugitivo, fugia da extinção. Ambos por interesse, fugiam do curso real de suas histórias, mesmo, assim, seguiu-se o culto matrimonial.
O sono, o resguardo, a mutação. E o tempo fez a transformação. ..
- Estou cansado, não perturba! Estou com sono!
- Que sono é esse?
A onça doou-se, porém, sem nada receber.
Desperto de seu sono na pele de uma onça, mas, de posse de uma força descomunal, atrapalhado, tentava controlar os seus próprios movimentos; sem as asas, tentava reconhecer a si mesmo, dizia:
- Prefiro morrer como vagalume, a caminhar por horas, correr com fome....
- Seu covarde, mal agradecido, preguiçoso, vagabundo!
- Por sua causa perdi outra presa. Olha pra mim!
- Eu tentei, mas não deu.. Não vou ficar me matando, não!
- Você não presta para nada, você me enganou, seu mentiroso!
- Como vaga-lume, fui um guerreiro, exijo respeito!
A onça estava só, lutava sozinha, e, o pior, por orgulho, jamais! Não admitiria ter sido enganada, defendia o seu pirilampo de qualquer encrenca porque sabia que ele nunca deixou de ser o que era e resmungava baixinho :
- Que habilidades que nada, armas, lutas, predador, pirilampo charlatão!
E quando será que vai chegar a hora de a onça beber água?
Casamento é coisa séria... e, muito cuidado com o amigo da onça....afinal, quem engana uma onça...