As três Centelhas

Dos fragmentos de uma estrela morta, Atargatis, três fagulhas guardando resquícios da energia que se esvaía do astro moribundo sobreviveram à hecatombe cósmica... Ao mesmo tempo em que a estrela azul-esverdeada se transmutava em uma anã branca, preludiando o seu fim, três centelhas viajavam a uma inimaginável velocidade em direção a um planeta ainda em formação... Enquanto tempestades inconcebíveis confundiam os mares e os céus, entre titânicas descargas elétricas e ventos ciclópicos, as três lágrimas da estrela que se esvaía numa triste névoa escarlate, cruzaram como ceráunias o espaço e vieram refugiar-se no fundo das águas em convulsão, onde viriam a surgir no futuro as primeiras formas de vida... Este planeta era a Terra...

Engastadas nos terrenos abissais do orbe ainda nas convulsões de próprio seu nascimento, as centelhas adormecidas aguardavam o momento propício para despertarem, como crisálidas adormentadas num sono agônico, pressentindo que eram exiladas de sua morada, de alguma forma adiantavam em suas semiconsciências a perseguição, o estigma, o temor e destruição mas também o poder, a fúria e o esplendor de algo indefinível que perduraria para sempre

Milênios se passaram até que a Terra fosse povoada pelos primeiros seres humanoides, ainda nos albores da inteligência, a desabrocharem para a jornada da existência e a compreensão das realidades superiores que ainda principiavam a compreender de forma rudimentar.

Despertando de seu sono, em diferentes partes do Mundo Antigo, cada centelha guardava em si mesma a intuição de sua origem na grandiosidade do Universo infinito e de grande seria a missão junto à Humanidade ainda em sua infância material e espiritual.

A primeira centelha a despertar foi chamada Lilith, adorada pelos povos sumérios e babilônios, odiada e temida posteriormente pelos homens que habitaram a Terra... muitos intentaram apagar seu nome e conspurca-lo com o pecado, mas do fragmento da estrela corporificou-se neste planeta, revestindo-se do pó castanho-avermelhado da terra, transmutando-se em carne e sangue, paixão e ira... Lilith criou asas para ir além do mundo rasteiro dos homens, para viajar pelos sonhos deles mais rápida que o vento, para trazer-lhes o prazer ou a dor, a vida ou a morte... Adquiriu o rosto feminino mais belo que a imaginação possa conceber, mas também garras em suas mãos e pés, pois o mundo ainda era selvagem e Lilith as ostentava muito mais para sua defesa, do que para de fato atacar... a Noite era a sua melhor companheira, as estrelas eram adornos que se assemelhavam a seus olhos, que se refletiam nas águas com o brilho da lua cheia... Seus dons foram representados em uma marca em forma de morcego negro, desenhado em seu colo bem esculpido. Todavia, Lilith tinha ânimo rebelde e muito independente, não se prendia a nenhum deus e a nenhum mortal...

A segunda centelha chamada à vida na crosta da Terra foi Serket, venerada pelo grandioso povo do Egito... Conhecida como a “Deusa Escorpião”, a fagulha estelar também se vestiu de um corpo de carne, identificando-se com o temido animal, não apenas pelo seu veneno que conhecido apenas por ser letal, mas também que podia proporcionar a cura... Presente na Criação do Mundo, como sua irmã Lilith, seu sopro infundia a vida, mas também guardava os portões da morte no submundo. Sua beleza, inigualável, era quase tão imponente quanto a sua bondade, pois preferia esconder seu aguilhão que fere, abrindo suas mãos generosas às almas que partiam deste plano para as regiões inferiores do Amenti. Serket assumiu a missão de proteger os humanos contra sanha de todos os animais peçonhentos, a Grande Senhora presente tanto na vida quanto na morte, guardando os rituais de embalsamamento e navegando junto ao glorioso Deus Rá em sua barca solar... Sábia e poderosa, Serket, com um escorpião cor dourada moldado em sua testa, era detentora dos conhecimentos da Luz e da Escuridão, saindo do lodo, ou das áridas furnas dos desertos, para banhar-se à Luz do Astro Rei da Terra, e dessedentar os humanos na límpida linfa de Nun, seu esposo, deus das águas primordiais.

A terceira e última centelha foi chamada Hécate, conhecida como a patrona das feiticeiras... Antes de assumir este nome na Hélade, integrando o panteão dos deuses gregos, assumiu outras formas, vagou por outras terras e ares, desde a Mesopotâmia até às Gálias... Assumiu a forma tríplice, encarnando a Virgem, a Mãe e a sábia Anciã; transmutava-se em diversas formas, tinha o poder dos Oráculos, com a Luz de suas tochas atravessava o Hades e subia ao Olimpo... presidia aos nascimentos e aos momentos finais dos seres deste mundo, a ciência das plantas, dos animais, dos minerais e dos sonhos dos homens... Faz-se acompanhar de animais negros como a noite e detém as chaves da saúde e da enfermidade, tendo o poder de peregrinar pelos céus, onde é adorada como a Lua ora resplendente, ora negra; pelos mares, na beleza do bailar das marés, na terra e no mundo subterrâneo. Hécate possui a fluidez de atravessar diferentes dimensões dos mundos, também presente na criação do mundo material, sendo agraciada por Zeus Olímpico... Guerreira intrépida, está armada com látegos, punhais e correntes, sendo temida até pelos chamados Imortais, conhece tanto as glórias celeste quanto as sombras do Hades. Possui em seu dorso a figura de um cão púrpura, a mesma cor de seus pés, adornados de sandálias de ouro...

Anankhe
Enviado por Anankhe em 01/10/2019
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