O Rei e o Sábio

Enquanto príncipe, Ozir era uma doçura de pessoa. Não havia um só súdito no reino que não o amasse. Com a morte de seu pai tornou-se pelas circunstancias o novo rei. Durante algum tempo manteve seu temperamento calmo e de fácil trato, porém com a descoberta do poder que tinha nas mãos foi se modificando, de tal forma que ultimamente não conseguia mais se controlar. Perdera a paciência por completo, tornando a vida na corte insuportável. Por menor que fosse o delito cometido por alguém já estava disposto a infligir rigorosa pena. E quando mais grave, até a de morte. Foi quando a pedido da rainha, sua amada esposa, resolveu recorrer ao grande sábio. Reuniu-se com seu primeiro ministro e ordenou-lhe que trouxesse à sua presença o sábio do reino.
- Quer que mande buscar o Merval, majestade? – Perguntou-lhe o primeiro ministro.
- E tem outro sábio no reino por acaso? Eu ainda não ouvi falar de outro.
Como sempre seus nervos andavam a flor da pele, mas o ministro procurou acalmá-lo.
- Vou providenciar para que vossa majestade seja atendida imediatamente.
- Faça isso o mais rápido possível, Górgoran.
Merval morava fora dos domínios do reino, muito afastado da cidade. Sua avançada idade foi o principal motivo da demora de sua chegada ao castelo. Deixando o rei mais irritado do que de costume.
Após oito longos meses de espera, finalmente o rei foi avisado por Górgoran que o sábio havia chegado. Só faltava autorizar a sua presença diante dele.
- Mande-o vir agora. – Ordenou o rei enfurecido pela demora.
O velho sábio entrou no grande salão e sem nenhuma pressa ou cerimônia dirigiu-se ao rei.
- O que está acontecendo de tão grave, majestade? Para mandar me chamar.
O rei, vendo aquele ancião marcado pela fragilidade, num esforço sobrenatural conteve sua ira e relatou-lhe pacientemente o que sentia. Ao final perguntou-lhe:
- Diante do tudo que lhe expus, de que adianta minha coragem para mudar as coisas, se não tenho a serenidade para usufruir as mudanças?
- Meu rei, eu tenho a impressão que você está sofrendo tudo isso que acaba de me relatar por ter esquecido o sentido da humildade.
- Mas eu sou o rei!
- Eu não lhe disse que não o é. O poder deve ser praticado, entretanto a humildade pode caminhar junta.
- Tenho que me preocupar com os impostos e manter a lei. Por isso puno os infratores.
- Até os reis necessitam da humildade, majestade. Sem essa sabedoria fica bem mais difícil guiar seus súditos.
Mais uma vez o rei sentiu vontade de explodir, mas respondeu-lhe docemente.
- Pode acreditar meu velho, encontro-me numa encruzilhada. O sofrimento é muito grande e já não sei mais o que fazer.
- Exercite, majestade. Permita que venham diariamente a sua presença, seus súditos. Cobre-os as suas obrigações e deveres, mas trate-os com dignidade.
- Mas é por não saber mais me controlar, nem quando devo usar de humildade, que não os recebo mais. – O rei continuava conversando amavelmente com o sábio.
- A solução do seu problema só se realizará através do exercício. Comece desde já.
- Ultimamente uso e abuso da arrogância. Será que conseguirei?
- Para saber terá que tentar, majestade. – Pacientemente o velho sábio empurrava o rei de contra seu orgulho e prepotência.
- Nunca o importunei, quando recorro à sua ajuda, você só me diz isso?
- Exatamente, nada mais do que isso. – O velho ancião sorria interiormente com o desespero do rei.
- Não sei se conseguirei, meu velho. – Lamentou o rei, docilmente.
- Saiba que todos nós temos em nosso interior a arrogância e a prepotência. Não deixe que elas assumam o controle e esmaguem a humanidade e a simplicidade.
- Fácil é falar quando se sabe.
- Mas você sabe, esqueceu de quando era o príncipe.
- Já faz tanto tempo, não sei se conseguirei.
- Então tente. Só saberá se conseguiu depois que colocar em prática tudo o que nós estamos conversamos.
- Não tenho tanta certeza. – Lamentou-se mais uma vez.
- Tente. Eu já estou indo majestade.
- Mas já está indo? Eu não o dispensei e ainda não acabei!
- Você não. Eu sim, mas lembre-se: – respeitando-me, controlaste sua arrogância e trataste a um dos teus súditos com humanidade, por tanto acabas de alcançar a sabedoria para distinguir uma coisa da outra. Pratique-a mais vezes, não é tão difícil assim.
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 02/10/2019
Código do texto: T6759223
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