O Anel

Era uma quarta-feira como outra qualquer. Saí da sala sozinho e caminhei lentamente, de cabeça baixa, em direção ao ponto de ônibus. O céu estava limpo. Alguns passos a minha frente, alguma coisa parecia reluzir. Era um anel, que refletia a luz do sol de maneira exemplar. Não havia ninguém a minha volta, ninguém a quem eu pudesse devolver o anel. A faculdade parecia mais deserta do que antes. Meti-o no bolso e segui meu caminho.

No dia seguinte, sentado à sombra de uma árvore praticamente sem folhas, lembrei que ainda tinha o anel no bolso. Peguei-o para olhar mais calmamente. Aquele brilho de quando o encontrei já não parecia mais ser o reflexo da luz do sol. O anel cintilava por si só, como se fosse feito de fogo, como se fosse um pedaço do próprio sol. Quanto mais eu olhava, mais me encantava. Guardei-o novamente e resolvi levantar. Tentar digerir aquilo que mais parecia um delírio. Talvez o calor estivesse me deixando maluco. O vento ao sol era agradável, a brisa fresquinha parecia querer beijar as bochechas de quem se metesse em seu caminho. Adentrei o prédio de cabeça baixa, como sempre. Procurava não esbarrar no olhar de ninguém. Eu só queria pensar na resplandecência daquela joia. Daquela joia que não era minha. Quem a poderia ter perdido? Onde a poderia ter adquirido em primeiro lugar? Dei a volta por todos os três andares do prédio, por cada corredor. Felizmente, não me tomou mais tempo do que eu tinha, mas eu tinha todo o tempo do mundo. Nada me havia prendido o olhar. Até que algo me prendeu o olhar. Estava já indo em direção à mesma porta pela qual eu entrei quando uma menina passou por mim. Nunca a havia visto ali. Talvez apenas nunca a tivesse percebido. Não sou o tipo de pessoa que aborda ninguém, prefiro ser abordado, mas não tive outra escolha. Eu não precisava necessariamente pensar rápido, duvido que a perdesse na multidão, mas tomei a decisão de ir atrás dela quase imediatamente. Segui-a até conseguir finalmente encostar em seu ombro. Apresentei-me, absolutamente sem jeito. Logo percebi que eu não tinha nenhum motivo para tê-la abordado. Após dois longos segundos de silêncio, eu lembrei daquele anel. Tirei-o do bolso e perguntei se, por acaso, ela o havia perdido no dia anterior. Seu rosto, que já era de tirar o fôlego de qualquer um que prestasse atenção, parecia ter se enfeitado com a graciosidade e a beleza da Via Láctea. O anel, afinal, era mesmo dela. Óbvio. Seus cabelos castanhos resplandeciam com a mesma intensidade daquela joia de ouro, com a mesma intensidade do sol em seu zênite. Aquele anel era muito mais do que dela, aquele anel era um pedaço dela. Ele coube perfeitamente em seu dedo. Era impossível que ele escorregasse e caísse. A precisão era inimaginável. Ela agradeceu. Não trocamos muitas palavras mais. Conforme ela partia eu me sentia exausto, mas também completamente revigorado e feliz. Desisti de assistir qualquer aula naquele dia. Fui embora tentando entender aquele encontro e esperando com tudo que eu tinha que houvesse um próximo.

Os dias passavam. As semanas passavam. Nunca mais a vi. Nunca mais a vi pessoalmente, quero dizer. Eu a via todos os dias quando olhava para o céu, quando fechava os olhos. Talvez eu estivesse apaixonado, talvez eu estivesse apenas maravilhado com tamanho esplendor. Não entendo até hoje como fui encontrar aquele anel. Não entendo até hoje como ela foi perder aquele anel. Cheguei a cogitar ter sido encontrado pelo anel, mas eu não sei se acredito nesse tipo de coisa. Mas eu já não sei mais no que acredito ou deixo de acreditar. Gostaria de a encontrar novamente. Eu andava de cabeça baixa para evitar encontrar olhares alheios, mas hoje eu ando de cabeça baixa esperando encontrar aquele anel novamente. Talvez assim ela aparecesse de novo.

Pedro Paz
Enviado por Pedro Paz em 04/10/2019
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