O Tesouro Encantado

Esta história aconteceu num tempo em que as pessoas costumavam se agrupar em povoados instituindo pequenas comunidades de moradores onde todos se conheciam e ajudavam uns aos outros. Os locais onde ficavam esses povoados eram geralmente muito afastados o que dificultava a comunicação com quem quer que estivesse de fora desses grupos.

Ocorreu que um certo dia, um grande agricultor daquelas regiões, precisou de trabalhadores para que preparassem seus terrenos para a plantação de café e mandioca. O homem saiu em busca pelos mais distantes povoados a procura de homens fortes, sadios e que pudessem se comprometer em dar conta de todo o trabalho que teriam pela frente. Selecionado o seu grupo de homens, ele designou as tarefas e pediu que um deles ficasse encarregado de coordenar todos os outros, para que pudesse saber, quando voltasse de suas viagens, de como teria andado o trabalho.

O homem encarregado era destemido, valente e muito inteligente, ele era exatamente o que o chefe procurava, pois sabia como controlar os trabalhadores sem os deixar constrangidos. Os homens trabalhavam arduamente dia e noite e quando paravam para descansar ficavam conversando sobre os mais diversos assuntos, inclusive sobre a saudade que tinham de suas famílias, pois como o terreno em que estavam fazendo o serviço era distante do povoado de onde vieram não havia possiblidade de visitar seus familiares até que o trabalho estivesse encerrado.

O Agricultor viajava frequentemente aos povoados e até mesmo aos vilarejos vizinhos, enquanto viajava pela estrada de terra em sua grande carroça, que adentrava as mais obscuras florestas, entregava as famílias dos homens que trabalhavam para ele, dinheiro, cartas e outros agrados. Por morar em um vilarejo destes que eram bem mais desenvolvidos que os povoados, o chefe quando voltava para seu roçado, levava muitos mantimentos para que seus trabalhadores pudessem ficar bem alimentados e tivessem disposição para fazer o serviço da melhor maneira possível.

Mas uma certa noite, ao voltar de uma dessas viagens pela estrada infinita e aventurosa, o chefe resolveu parar no povoado mais próximo para pedir abrigo, pois o céu estava muito negro, relâmpagos começavam a fazer a noite de dia e estrondosos trovões já podiam se ouvir, não lhe restava dúvida de que um grande temporal iria arriar naquele momento. Chegando ao povoado ele bateu a porta da primeira cabaninha que encontrou, bateu uma, duas e três vezes até que para seu alívio o ferrolho da janela fez-se ouvir e de lá uma mulher com ar assustado colocou o rosto para fora para ver quem era que estava a bater naquela noite escura e fria. Ao ver o homem bem trajado, e não lhe parecendo ameaçador, a mulher perguntou o que ele queria, logo ele respondeu dizendo que apenas precisava passar a noite, porque com a chuva que ameaçava não dava para continuar a viagem, ela abriu a porta e ele pôde entrar.

Dentro da casa, a mulher pediu que se sentasse a mesa junto com seus dois filhos, o homem sentou-se e logo começaram a conversar. Durante a conversa a mulher perguntou se o destino final de sua viagem era muito longe, ele respondeu que sim e disse que precisava apenas deixar a chuva passar para que continuasse a viagem, foi então nesse momento que a mulher e os filhos entreolharam-se com ar de mistério. O homem sem saber de coisa alguma, perguntou por que estavam com aquelas caras, a mulher contou que mais a frente, naquela estrada, estava correndo pelo povoado, a conversa de que havia uma visagem amedrontadora assustando e botando para correr todos que se ousassem a enfrentá-la, o homem como não era tão corajoso assim pediu permissão da mulher para passar toda aquela noite em sua casa, pois pensou melhor em continuar a viagem ao amanhecer.

Enquanto a chuva caia sobre o telhado de palha da humilde cabana, o homem rolava e se enrolava na rede, pois não conseguia pregar os olhos pensando na conversa sobre a visagem que tivera com a dona da cabana.

O dia amanheceu, e enquanto o homem se preparava para partir, e continuar sua longa viagem, agradecia a mulher por lhe ter dado estadia, por lhe ter tratado bem e disse que de agora em diante ela poderia contar com ele. Ele também agradeceu muito por ter lhe advertido sobre a visagem e perguntou se pela manhã corria perigo, a mulher sorriu e disse que tudo acontecia sempre a partir das seis horas da tarde em diante e que poderia seguir tranquilo, o homem despediu-se deixando algumas guloseimas para seus filhos e um saquinho com algumas moedas para a mulher como forma de gratidão.

Durante toda a viagem o homem seguiu pensativo, pois não sabia muito ao certo o que lhe esperava ao longo da estrada, e mais ainda, como poderia sair em busca de novos mantimentos quando estes que estava trazendo consigo acabassem? Com algo desconhecido assustando as pessoas, em um trecho da única passagem que tinha entre seu roçado e o vilarejo onde morava, era quase impossível retornar à procura de mais alimentos.

Chegando ao seu roçado, encontrou os homens trabalhando e fazendo tudo do jeito que queria, falou com seu encarregado, o felicitou e pediu que desse folga aos homens para que pudessem comer e descansar um pouco. Os homens deram uma pausa nas tarefas, depois comeram e então descansaram. E foi assim por duas semanas, os homens trabalhavam, davam uma pausa, comiam, bebiam e descansavam para outra vez recomeçar até o dia em que os alimentos acabaram.

Foi então que o chefe chamou os seus trabalhadores para contar o que havia escutado da mulher da humilde cabana em que parara semanas atrás.

Ele começou a contar que na mesma estrada que ligava o seu roçado ao vilarejo em que morava, andava aparecendo em um trecho, uma visagem assustando todos que passassem por lá. O encarregado para comandar o grupo de trabalhadores, como era destemido logo começou a rir dizendo que visagem era coisa de gente maluca e que não tinha medo de nada – realmente ele não tinha – o chefe continuou e disse que por ele não ter medo, ele agora era quem iria até o vilarejo buscar mantimentos para todos. O encarregado de prontidão disse que aceitava. O chefe disse que se ele descobrisse como deter aquela assombração, ele lhe daria metade de suas terras. O encarregado ficou mais empolgado ainda para partir em viagem.

Em poucas horas, quando o sol ainda estava amarelinho e incandescente, já quase se preparando para tornar-se alaranjado e dar seu lugar a lua, o encarregado subiu a carroça do chefe, tomou as rédeas e seguiu estrada adiante. A carroça já tinha prosseguido milhas e milhas, até que em certo ponto o encarregado começou a ouvir gritos estridentes, lamentosos e que pediam por ajuda, ele tenta aguçar os ouvidos até poder definir que o grito é de uma moça:

- Ai pelo amor de Deus! Alguém me socorra! Ai pelo amor de Deus! Alguém me socorra!

Ele então muito corajoso, pega sua lamparina, seu facão e adentra naquele trecho da mata densa de onde vem aquele grito desesperador.

Ele caminha com muita valentia, prossegue pela mata se livrando de qualquer perigo com os golpes do seu facão e alumiando a vista com sua lamparina. E o grito cada vez mais próximo e ensurdecedor.

- Ai pelo amor de Deus! Alguém me socorra! Ai pelo amor de Deus! Alguém me socorra!

Ele caminha, caminha e caminha, muito rapidamente, quase correndo, com pressa para ajudar quem precisa. Agora ele sente que está muito próximo, pois o grito fica muito alto e medonho.

- Ai me ajudem!! Ai me ajudem!! Pelo amor de Deus!

Agora está tão alto, mas tão alto que toda a mata parece agora se encher daquele pedido de socorro horrendo, que até mesmo o fogo de sua lamparina apaga, ele então pega seu isqueiro e a acende novamente. Ele começa a enxergar uma claridade no meio da mata, ele vai caminhando, caminhando e cada vez mais a claridade vai aumentando e o grito mais intenso ainda pedindo por ajuda!

- Ai! Pelo amor de Deus! Alguém me socorra!

Quando ele começa a ver a sua frente uma linda moça no meio de velas acesas com um velho morto em cima das pernas, quando ela termina de gritar, ele chega bem perto e lhe pergunta:

- Moça eu vou lhe ajudar, o que você quer que eu faça?

E ela diz:

- Que você enterre o meu pai moço. Eu tenho gritado tanto e nunca apareceu alguém que pudesse fazer esse favor para mim.

Ele logo diz:

- Moça espere um pouquinho mais, que eu já enterro seu pai.

E ele volta imediatamente a carroça, e traz consigo uma pá, uma picareta, uma enxada e um maço de velas. Chegando perto da moça novamente, ele pega seu maço de velas, acende nas velas do defunto e as coloca junto dele. A moça então as ajeita perto de seu pai falecido enquanto o homem começa a cavar a sepultura, e ele diz:

- Não chore mais moça. Vou acabar com seu sofrimento enterrando seu pai e lhe dando descanso.

Ele cava, cava, cava, bate a picareta uma, duas, três vezes e cava, cava mais ainda e quando está na altura de sete palmos ele diz que a cova está pronta. Ele então pede para a moça ajudá-lo, que pegue nas pernas do defunto e ele pegará a cabeça, para então colocarem na sepultura, mas quando estão ajeitando o corpo, as pernas não cabem e ficam de fora, nisto, a moça começa a se desesperar achando que o homem não vai querer mais ter trabalho de ajeitar a cova, ela se volta aos prantos e ele diz:

- Não se preocupe. Moça não chore. Vamos resolver isso.

E começou a cavar um pouco mais.

Enquanto a picareta batia ele olhava para as pernas do velho para calcular o comprimento que precisava cavar. E batia no solo, pá, pá, pá até que achou que já era o bastante para repor o corpo no local.

- Vamos lá moça, me ajude aqui mais esta vez.

E enquanto colocavam o defunto, as pernas novamente não couberam e a moça pôs-se outra vez a chorar. Ele muito prestativo pegou novamente a picareta e bateu nervosamente na terra até achar que já estava bom. Os dois pegaram o corpo sem vida para pôr no local, mas as pernas ficaram de fora.

O moço já sem paciência e muito furioso toma a picareta com raiva e diz:

- Eu vou quebrar as pernas desse velho!!

A moça dá um grito:

- Ai pelo amor de Deus! Não quebre as pernas de meu pai!

Ele já em fúria, se pôs a cavar rapidamente, cavou, cavou e cavou, mais uma vez, e outra e mais outra e ainda assim quando foram colocar o corpo, a perna do velho não coube! Foi então que ele parou diante daquela situação, viu que já tinha cavado uma vala enorme e mesmo assim as pernas do velho ainda não tinham cabido, passou a mão na picareta e deu-lhe em cima de uma perna:

Pá!

Quando ele foi dar o golpe na outra perna, um grande estrondo fez-se ouvir e uma enorme ventania se formou por toda a mata:

Buuuuum!!

O estrondo e a ventania foram tão grandes que ele precisou se segurar em uma arvore próxima, abaixou-se, fechou os olhos e quando abriu já não tinha mais nada a sua volta, a moça, o defunto, as velas, tudo havia misteriosamente desaparecido e em seus lugares brilhavam e reluziam moedas de ouro, e pedras preciosas aos montes que eram de encher os olhos de quem deseja-se tê-las!! Um verdadeiro tesouro capaz de comprar qualquer coisa ou tudo o que havia na terra. O moço feliz e contente, não contou duas vezes e começou a carregar em suas próprias roupas a preciosidade que estava a sua frente, chegando na carroça pegou dois baldes e não se sabe quantas voltas teve que dar do tesouro até ela até que não restasse nem uma lasca de esmeralda ou a menor das moedas que fosse naquele local. Terminando de recolher todo o tesouro, ele saiu pela estrada afora com a carroça repleta de fortuna. O moço foi rico e feliz a vida inteira, graças a sua valentia, gentileza e coragem.

Fim.