O dia da gosma fundamental ou a sagrada lenda do início de União

Andar, rastejar, deslizar nossas pequenas formas pela mata fechada. Descer paredão vertical e impraticável para a maioria dos organismos do todo Revoluto.

- Andarmos Grog, andarmos logo, não nos permitiremos falhar, não ainda desta vez! O grande e vivo Diamante Felds está conosco mais do que nunca nesta missão.

- Calarmos, concentrarmos.

Concluímos a descida apenas com pequenas escoriações, braço direito Grog e perna esquerda Mog. Armas de magia tecnológica automatizada retiradas intactas das bolsas subcutâneas de proteção.

Aproximamos dos fundos do reduto redoma de ilusões. Mesmo sem ultrapassarmos as barreiras de proteção já ouvimos uma multiplicidade deveras grandiosa de gritos e urros. Horrorizados. Capsulas de determinação e sangue frio engolidas as presas. Não podermos pensar muito.

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Nosso Mor Magol permanece desde sempre como o único com o sagrado direito de adentrar e também de residir na parte secreta do templo. Sem contar sua guarda pessoal reciclada organismo por organismo sempre de cada substituição de turno. O todo do coletivo Boulos deve restringir-se ao salão público de adoração e exortação. Isto após cada corpo estar devidamente despido de suas vestes mundanas. Sem necessitar de avisos todos seguem nossas normas de total silêncio tecnológico nas práticas do templo. Toda aparelhagem é etiquetada e guardada assim como as vestes e poderá ser retirada na saída dos trabalhos de louvor ao grande Bog, em caso de retirar-se pulsante e não reciclado do recinto o determinado involucro carnal, é claro. Somente os cabeças de controle contam com nossa proteção máxima e somente Mor Magol possui o nível mais elevado.

Apesar de nossa nudez e dos scanners pelos quais passamos antes da entrada no templo nossos guardas de proteção armada ainda nos requisitam para demoradas seções de revistas visual, táctil e intracorpórea. Guiados pela infinita sabedoria do grande Bog alguns de nós são eliminados e outros requisitados para os experimentos de sacrifício.

A qualidade e o constante aprimoramento destas seções perfazem a motivação pela qual todos nós de todas idades e formas buscamos desesperadamente acotovelarmos para assistirmos estes maravilhosas seções e elevamo-nos aos mais altos graus de proximidade ao grande Bog na trilha dos gritos e guturações dos premiados da ocasião. Todos sabemos que o sofrimento aqui adquirido sublimará os escolhidos em uma via expressa de encontro ao grande Bog. Nenhum de nossa essência deveria ousar rebelar-se. Doenças porém acontecem. E todas as células cancerosas devem ter o pior dos destinos: o Limbo subterrâneo. Condenados ao desterro eterno.

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O escolhido Grog esgueira-se habilmente ajudado pelo sucesso do detector de armadilhas e surpreende o único guarda da parte traseira do edifício com uma eliminação rápida, silenciosa e sem rastros.

-Irmos logo Mog, devemos adentrar o antro e chegar o mais rapidamente possível ao local indicado, o pavilhão secreto e após os subterrâneos.

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Estamos todos do coletivo Voulos reunidos no salão principal esperando nosso pronunciamento através de nosso Mor Magol interpretando mensagem direta do grande Bog:

- Partes do todo hoje iremos dispensarmo-nos de interpretar as palavras do grande Bog...

Silencio total. Não compreendemos o que falamos.

Os asseclas escolhem duas crianças, dois jovens, dois adultos e um velho para os sacrifícios do dia. São porém reservados a um canto do altar e não retirados para a câmara de sacrifícios de onde normalmente, após as divinas torturas, são transportados aos aposentos secretos do grande Bog.

Hoje teremos o privilégio de vermos o grande Bog alimentar-se frente a nós e logo após todos perceberão suas palavras.

Nosso silencio, nossa expectativa e principalmente nossa tensão distenderam-se ao máximo. Parecia que nada aconteceria. Aos poucos de um dos portões ao lado do altar os quais a maioria de nossas partes nunca havia visto abertos foi surgindo ruídos que desconhecíamos, adivinhávamos o rastejar de uma criatura descomunal, formas foram surgindo e vimos um monstruoso verme de formas gelatinosas deambular para a parte frontal do altar. Nossas partes menos privilegiadas estão plenas de terror. Sagrado horror que mantém desde sempre nossa unidade e nossa existência.

Tentáculos lançam-se para os escolhidos colhendo-os e enviando-os até uma cavidade que abre-se na parte superior dianteira do grande Bog onde são absorvidos tendo digestão quase imediata.

Feita a refeição a criatura, ou seja, nosso grande Bog, dirige seu olhar onde encontramo-nos a maioria de nossas partes e sentimos em nossa mente pensamentos que sentimos ser a palavra daquele ser que representa o grande Bog:

- Estimado Voulos hoje darei o privilégio de podermos destruir nossos eternos inimigos do coletivo Revoluto. Nossa magia-tecnologia unida ao pensamento único de todas as partes trará a destruição daquela ruina que nossos opositores adoram como Diamante Felds.

Num telão místico pudemos ver projetadas imagens nunca vistas da figura divina de nossos opositores e de algumas partes destes em sua volta.

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- Corretos todos os mapas chegamos às câmaras secretas e implantamos todas as bombas.

- O verme de fruta crescido será obliterado e subjugaremos nossos desorientados adversários. Agora libertaremos os prisioneiros do subterrâneo que, traindo seu todo, possibilitarão nossa vitória.

Sabemos das promessas a esses prisioneiros que, fugindo ao cerco tecnológico, puderam nos passar os dados para encerrar a eterna batalha do planeta Foul como nossa suprema glória. Seriam todos revolutos incorporados. Serão como servos o que constituirá melhor do que pertencer a esta escória.

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Dos magimicrofones surgiram cantos e sons nunca antes ouvidos ou entoados. Sentíamos nossas forças internas esvaindo-se cada vez mais e suávamos abundantemente para mantermos nossa concentração no esforço mental que o grande Bog nos orientara: projetarmos o Diamente Felds explodindo em milhões de cacos. Vimos acontecer no telão. Caímos ao chão quase esvaídos.

Do mesmo portão por onde surgira o grande Bog vimos aparecer dois partes de Revolutos e multidão de nossos desterrados.

Ante nossa fraqueza armas foram acionadas e vimos o grande Bog ser atingido, contorcer-se e emitir sons mentais incalculavelmente dilacerantes. O grande Bog e todos nós, nossa constituição, nossas buscas, explodem.

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Cobertos de gosma estarrecidos e estupefatos todos os seres ainda vivos no templo do antes existente coletivo Boulos percebem de primeira mão aquilo que em poucos instantes magia e tecnologia transmitirão a todo este planeta. Não existem mais coletivos, não existem mais orientações externas. Cada parta constitui agora seu todo. Retiram-se do templo sem batalhas. O primeiro sentimento é por isolar-se de tudo e de todos. Evita-se alojamentos e outras instalações da antiga convivência coletiva.

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Um jovem ex-boulos e uma jovem ex-rovolutos encontram-se num momento imprecisso após os devastadores acontecimentos. Não existe mais repulsa e aos poucos descobrem uma devastadora vontade de tocar e fazer caricias ao outro. Não necessitam-se palavras.