Sob a proteção da noite

Quando as tropas do tirano de Aphalyria aproximavam-se da capital do reino, Erekaster, o regente Walkor resolveu lançar mão do seu último recurso para impedir que os invasores concluíssem a conquista do reino: invocar o Manto de Trevas. Convocada ao palácio real, a Guardiã-Mestra Rowen alertou o regente sobre os possíveis efeitos colaterais da medida.

- O Manto de Trevas é um recurso extremo, somente para ser utilizado quando não há nenhuma esperança de reverter uma conjuntura adversa.

- Acabou de descrever nossa situação - atalhou Walkor, reunido com a Guardiã numa sala do palácio. - Se não fizermos nada, o exército de Aphalyria entrará na capital amanhã ao meio-dia.

- Compreendo - anuiu Rowen. - Deve estar ciente também de que, uma vez desencadeado, não haverá como reverter os efeitos do lado de dentro da sombra. Alguém no exterior deverá desfazer o processo.

- Há alguém fora dos muros da cidade que possa fazer isso? - Indagou o regente.

- Mesmo que ainda haja, duvido muito que o tirano as deixe viver por muito tempo após dominar o reino - avaliou a Guardiã-Mestra. - Claro, eu poderia fazer isso, mas não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo: para poder invocar o Manto de Trevas, terei que ficar dentro de Erekaster, e uma vez sob a sombra, não há como sair.

- Então... vamos ficar presos aqui, indefinidamente? - Ponderou Walkor, mão no queixo.

- Foi você quem disse que a situação era adversa - relembrou a Guardiã. - Mas antes que a sombra desça, ainda posso enviar um mensageiro para o exterior, com instruções precisas para desabilitar a proteção.

- Mas o mensageiro corre o risco de ser capturado pelas tropas do tirano - avaliou Walkor, pensativo.

- Quando eu falei em exterior, não estava me referindo especificamente aos muros da cidade - redarguiu Rowen. - A ideia é mandar o mensageiro para cima... onde certamente não será perseguido pelos aphalyrianos.

Walkor olhou para o teto de pedra da sala.

- Mas... não há nada lá em cima! - Retrucou.

- Nossos livros sagrados falam num castelo acima das nuvens - prosseguiu a Guardiã, sem se abalar. - Você pode dizer que trata-se apenas de lendas, mas lembre-se de que também foi de lá que veio o conhecimento do Manto de Trevas.

O regente ainda não parecia inteiramente convencido.

- Sim, estou ciente disso... mas alguém já viu esse castelo hipotético? Como podemos confiar a salvação do nosso povo a um lugar que nem sabemos se existe? - Questionou.

- Vamos às muralhas - convidou-o a Guardiã.

Saíram da sala e subiram um lance de escadas até a parte superior de uma das muralhas do castelo, de onde se descortinava boa parte da cidade, seus muros exteriores, o rio e o porto além dela. Acima deles, o céu estrelado e uma grande faixa de luz branca que se estendia de um horizonte ao outro: o Caminho de Garuda.

- Olhe para o alto, - disse Rowen - ao longo do Caminho de Garuda.

O regente precisou de alguns minutos de observação para perceber o que Rowen queria que visse: um pontinho luminoso, cruzando a abóbada celeste de um horizonte ao outro.

- Ah! Aquilo é Nalrom, o Caminhante - arguiu, cenho franzido.

- O seu castelo acima das nuvens - replicou Rowen, braços cruzados.

- E como pretende mandar um mensageiro até lá? - Questionou o regente. - Não temos barcos aéreos, como nos livros sagrados.

Rowen descruzou os braços e sorriu.

- Da mesma forma que o Manto de Trevas é algo para ser usado somente numa grave emergência, as Guardiãs guardam um barco aéreo há gerações, pelo mesmo motivo.

Apontou para Nalrom, que desaparecia no horizonte, e complementou:

- Ele transportará nosso mensageiro até lá.

[Continua]

- [18-04-2020]