Plantando a estaca

Fora da cabana, o vento uivava através das árvores, enquanto lá dentro, a lareira da velha estava quase apagada. Enrolada num cobertor puído à frente do fogo bruxuleante, ela suspirou; teria que esperar até o amanhecer antes de arriscar-se na floresta atrás de lenha. E se a artrite não a tivesse atacado na semana anterior, teria feito um estoque maior de galhos e gravetos dentro de casa, antes que a época das tempestades começasse. Agora era inútil pensar nisso, conformou-se; talvez o que precisasse mesmo era de alguém para ajudar nos afazeres domésticos, mas sua única filha casara-se e fora morar no vilarejo com o marido, um marceneiro. Pouco a via, principalmente depois que a neta, Nynner, nascera. A velha estava sentindo-se só pela primeira vez, em muitos anos.

Foi então que ouviu outros uivos, além daqueles do vento: os lobos estavam caçando na floresta. A princípio, não lhes deu importância, pois havia um círculo de proteção à volta da cabana que os manteriam afastados, mas subitamente calaram-se como se assim lhes fosse ordenado. A velha ergueu-se, apanhou uma lanterna de cobre sobre a lareira e caminhou até a porta.

- Quem está aí? - Perguntou em voz alta, sem abrir.

- Eu estou ferido... - ouviu uma voz sussurrar, mas bem acima do ruído da tempestade. - Preciso da sua ajuda.

Ela abriu a porta. Lá fora a noite estava escura, e a lanterna iluminava poucos metros ao seu redor, mas dentro do círculo de proteção, viu o que parecia ser um globo de luz verde que pulsava suavemente, flutuando cerca de um metro acima do chão e indiferente à ventania. A velha persignou-se instintivamente, tocando alternadamente no ombro esquerdo e direito.

- Eu só ajudo viventes - declarou ela com firmeza. - Nada sei que possa curar os do seu povo.

- Se me ajudar, eu lhe darei conhecimentos que sua gente não possui - prometeu a voz que saía do globo.

- Tudo o que eu preciso é de um menino que me ajude com a lenha - retrucou ela.

- Isso pode ser conseguido - ponderou o globo. - Se me ajudar.

A velha hesitou por um momento. Depois, fez um sinal para a entidade:

- Venha.

O globo a seguiu e ela fechou a porta depois que ele passou.

* * *

Gjur abriu a porta do casebre e relaxou ao ver o rosto vincado da velha Eljena à sua frente.

- Vim assim que a tempestade diminuiu - disse ela em tom de desculpas.

- Agradecemos por qualquer coisa que possa fazer para ajudar o nosso Gorm - respondeu o homem, franqueando-lhe entrada.

Dentro do cômodo único da habitação, dividido ao meio por um muro baixo de pedra para separar o espaço dos humanos do estábulo dos animais, um catre havia sido colocado junto à uma das paredes de pedra. Sobre ele, jazia um garoto magro, de não mais de onze anos de idade, olhos fechados, respiração irregular. Ao redor do leito, outras cinco crianças, todas menores do que o doente, e a mãe deles, Inger, acompanharam a chegada de Eljena com apreensão. Depois, abriram espaço para que ela pudesse examinar o menino.

Eljena ajoelhou-se ao lado dele e retirou o que parecia ser um guizo de cobre de dentro da bolsa de pano que trazia amarrada à cintura. Ao tocar com o objeto na testa de Gorm, um brilho verde chamejou dentro da esfera oca.

- Eu posso fazer com que ele viva. Mas isso tem um preço - alertou a velha, erguendo os olhos para os pais.

Inger e Gjur entreolharam-se. Obviamente, não possuíam recursos que pudessem pagar uma dívida daquela importância, e Eljena estava a par disso.

- O que quer? - Indagou cautelosamente Inger.

- Se ele viver, terá que partir comigo. Estou velha e preciso de alguém para me ajudar com as tarefas de casa.

Gjur acabou convencendo Inger de que o trato não era tão ruim assim; afinal, ainda poderiam ver o menino sempre que quisessem e - estava subentendido - Eljena não viveria para sempre. Um dia, quando fosse mais velho, Gorm poderia voltar para casa.

- Está bem - resignou-se Inger.

A velha abriu delicadamente a boca do menino, que respirava com dificuldade, e tocou com o guizo de cobre na língua dele. O brilho dentro da esfera oca apagou-se, e no instante seguinte, os olhos de Gorm abriram-se, luminosamente verdes. Olhou ao redor como se estivesse confuso, e depois deteve-se no rosto de Eljena. Sorriu.

- Obrigado - disse com emoção.

- [17-06-2020]