O Espetáculo

Eu já sabia que isso aconteceria. No momento em que eu exitei, tornei minha morte como certa. Desde muito tempo, pergunto-me o por quê continuo fazendo tais coisas. Eu não servia para isso. Contra ele, nessa situação, não havia como fugir. Eu estava preso em minha própria sentença.

-Não adianta correr, Dimitri. - disse ele, se aproximando cada vez mais, enquanto meu fôlego ia se esgotando.

Pela primeira vez, ele proferiu o meu nome. Com isso, percebi: eu já não significava nada para ele. Meu título de Assistente já não existia mais. Se eu parasse por um segundo, ele me alcançaria.

“Não. Não. Não. Eu não posso morrer aqui”, minha mente gritava.

Parei subitamente, na única árvore que residia naquele cerrado abafado. Em poucos segundos, ouvi os passos dele atrás de mim.

-Já cansastes, Dimitri? - Disse ele, com um sorriso de canto. - É, bem que Louis me alertou. Você não foi e jamais será um Assistente de qualidade. Foi um equívoco meu tê-lo deixado passar. - Ele suspirou e deu-se para ver o descontentamento em seu rosto.

-Tsc. Eu não pedi para ser chamado para esse cargo. Tudo o que eu tive que fazer… todas as imensas atrocidades que vocês me fizeram fazer… já não posso mais ver minha família; todos me esqueceram. Eu perdi tudo. Fui enganado por voc-

-Enganado? Onde? No momento em que você passou nos testes e assinou vosso contrato, você se tornou nosso Assistente. - Seu tom começou a mudar. Tornando-se mais sério e ameaçador. - Não havia nada no contrato que garantisse sua volta ao seu mundo. Mas sua incapacidade de matar certamente cravou sua estadia aqui.

Uma aflição, misturada com raiva e angústia, começou a surgir em meu peito. “Ele tinha razão”, em meu ser, algo murmurava. Fitei-o incisivamente e, por meio de um vislumbre, vi o céu ao meu redor tornar-se, gradativamente, vermelho. Sua aparência descontraída me dava nos nervos. Puder ver a palavra “tolo” sair de seus lábios enquanto a raiva latente crescia cada vez mais em mim.

-Não se precipite, Dimitri. O espetáculo está apenas começando.

O céu atingiu o ápice da vermelhidão após ele dizer isso. Nuvens negras começaram a se formar, enquanto o chão começava a tremer. Tudo parecia estar esquentando; me perguntava se as pessoas das cidades próximas também estavam vendo e sentindo o mesmo. Seria lindo, se não fosse tão lúgubre e assombroso como se mostrava.

Ele sumiu da minha frente. Tomando forma como um corvo, se retirou para o interior das nuvens negras que se aglomeravam mais e mais pelos céus. Isso era obra dele. Eu, que as sempre via de fora, agora consigo contemplar e, de certa forma, apreciar a beleza de suas obras.

“O fim do mundo precisa ser algo belo, para não ser desperdiçado.” Era o que ele repetia, pelas inúmeras vezes em que um mundo se extinguia.

Suas palavras, agora, faziam um mínimo de sentido para mim.

Ele dava um sentido para o fim do mundo. A beleza sendo a maior delas. Mostrando a beleza até mesmo no sofrimento e morte, me vi sendo sugado pelos pensamentos dele.

Chegando a essa conclusão poucos minutos antes de minha morte, senti uma certa tranquilidade e êxtase em saber que, de alguma forma, havia sentido naquilo tudo.

No entanto, quando o chão em que eu estava começou a se rachar, minha mente começou a se apavorar. Eu ia morrer. Comecei a correr, afoito, para o mais longe que eu pudesse daquilo tudo. Mas não havia caminho, não havia um lugar seguro. Tudo estava se esvaindo. A vida estava acabando naquele mundo. Restaria apenas o vazio, e eu seria tragado por essa avassaladora força juntamente a ele.

Senti um pingo em meu ombro. Sua cor avermelhada me chamou a atenção. Meu ombro queimou com o seu toque, o que me deixou preocupado. No chão, vi alguns daqueles pingos queimando a terra e deixando nela sua cor avermelhada. Procurei por um local onde tivesse uma proteção contra chuva, e achei, porém a chuva tornou-se tão intensa a ponto de queimar tudo e quaisquer coisas que ficassem em seu caminho. Tudo ao meu redor exalava fumaça e era envolto por uma vermelhidão horrenda. O céu vermelho, totalmente encoberto pelas nuvens negras, apenas deixava o lugar tão nefasto como se eu estivesse no inferno.

Esse seria o meu fim. Esse era o meu fim.

Fui queimado por aquela chuva até o ínterim de minh’alma. Tudo ardia e se corroía, até mesmo os meus ossos não escaparam desse medonho destino. Fui tragado por aquela chuva e, calmamente, tudo se esvaiu de meus olhos. Vislumbrei, rapidamente, antes de cair no sono eterno, a figura de um corvo se esgueirando acima de mim. Pude ver uma expressão em seu rosto que jamais esperei ver em qualquer animal. Um longo sorriso de êxtase, mas que foi substituído em segundos por um olhar de complacência. Me desculpe, seu olhar me dizia e repetia.

Cai, por fim, na eternidade que me esperava. O vazio do qual me arrebatava.

Com seu rosto passando, pela última vez, em minha mente, pude, então, ter certeza do acolhimento que eu recebera do Apresentador em suas memórias infindas. E isso, de certa forma, me acalmou.

Milene Ambrósio
Enviado por Milene Ambrósio em 02/08/2020
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