A MAMÃE CORUJA

Já dizia Louis Pasteur, Cientista francês (1822-1895): “Enquanto está na garrafa, o vinho é meu escravo, mas fora da garrafa, sou escravo dele. Um churrasco sem vinho é o mesmo que um dia sem sol. E isso tudo é porque existe mais filosofia numa garrafa de vinho do que em todos os livros no mundo”.

O que eu tenho a contar é que entre os caboclos sertanejos corre uma lenda de que a cada sete anos acontece no mundo uma noite tenebrosa, ou seja, uma noite sem lua e nem estrelas, que eles chamam de noite preta. Até parece que as outras noites não são tão pretas, escuras ou negras, como se dizem. Preconceito à parte, tanto a noite como o dia, são minúsculas etapas do tempo, nada mais natural e tão somente isso.

O que esses sertanejos supersticiosos acreditam é que numa noite assim, tão escura, todos têm mais é que dormir e nem sequer abrir uma janela. Algo mais que isso é muito perigoso, até mesmo amaldiçoado por Deus.

O que me intriga é que nenhum caboclo caipira nunca soube precisar o dia, melhor, a noite desse fenômeno extraordinário.

Confesso que fui nascido e criado no sertão, de modo que assimilei e, inconscientemente, muitas dessas crendices influenciaram e interferiram em minha vida, tão ferrenhamente, que delas até hoje não consegui me libertar.

O caso que vou narrar a seguir pode até ser tido como um delírio, mas por razões que adiante vou expor, também pode ser considerado de forma diferente. De qualquer maneira, deixo à consideração e ao julgamento do leitor.

O fato é que num determinado dia no meu passado, esse dia amanheceu cinzento e um tanto quanto frio. Dias assim eu detesto. O sol fica encoberto, o céu nublado, nem chove nem molha. Pior ainda se houver aquele ventinho frio. Como eu repudio dias assim.

Lembro-me que era um sábado. Passei o dia todo vestido em meu roupão, bebendo vinho para me aquecer e me entreter. Enfim, a noite chegou.

Minha casa estava iluminada. Com uma taça de vinho na mão, saí para o quintal. Não enxerguei nada. Tudo escuro. Nem o pé de amoreira consegui ver. Virei-me para a rua, nada iluminado. Tudo em volta de mim eram trevas.

Só que não me apavorei. Voltei para dentro de casa e minha gata Sofia estava com os olhos arregalados e arrepiada de medo. Passei as mãos sobre suas costas e ela se acalmou, não antes de dar um miado assustador.

Eu sendo um poeta e escritor, decidi que iria descrever tudo o que estava acontecendo, e que eu não estava entendendo. Abri o computador e comecei a escrever este conto que já estou contando: Que noite escura e esquisita!

De início, nem é preciso dizer que a noite estava tenebrosa, sem Lua e nem estrelas, o céu era um negrume de breu. O mundo todo estava mergulhado em trevas.

Como disse, comecei a descrever o fenômeno do momento, sem estar nada com medo, até pelo efeito do vinho, que me tornara disposto e alegre. Nisso ouvi umas bicadas e arranhadas na janela de meu quarto, enquanto eu tomava mais uma taça de vinho.

Achei que era o vento frio, que eu detestava, e que àquelas horas tardes da noite estava um tanto mais forte, para uma vez mais me atormentar.

Entretanto, eu já estava aquecido pelo calor do vinho que vinha tomando desde a tarde daquele dia que já se tornara noite sem lua e nem estrelas. Eu estava aquecido e a noite jazia escura e medonha.

"Quem será que quer me visitar, entrando pela minha janela?"

Eu não sentia medo, apenas dúvidas se aquilo era real ou delírio sob o efeito da bebida, que não lembrava por quê, comecei a tomar à tarde, antes do anoitecer.

Enfim, tomei outra taça de vinho num só gole e decidi abrir a janela de meu quarto.

Qual meu espanto!

Uma coruja se adentrou em meu quarto, batendo suas asas e se esvoaçando pousou no meu ombro esquerdo, enquanto eu recomeçava a escrever e descrevendo o que eu via, em delírios, imaginação ou sonhos, sei lá...

O que sei é que a Coruja falou comigo e me disse:

“No mundo falta justiça. Do mundo, sou mãe Coruja”.

Ao que eu respondi:

“Se é mãe, quem é o seu filho justo”?

Enquanto eu escrevia pretendendo concluir uma ideia que me acabrunhava, a Coruja, abrindo suas asas, pousou sobre minha mesa e me respondeu, dizendo:

"Meu filho, inocente e justo, é semelhante aos filhos das mães de todos os animais, inclusive dos tidos como racionais, assim como você."

- Sim concordo, - eu lhe disse. - Todos os filhos são bons e inocentes, pelo menos antes de tomar consciência de quem são seus superiores. Depois desta etapa, eles continuam se achando bons e até melhores. Os maus daí em diante são seus pais, que eles não mais consideram e, menos ainda, obedecem.

E a Coruja me respondeu:

- Como assim? O que quer dizer com isso?

- Ah, coruja, não lhe vou responder e sim fazer-lhe perguntas.

"Você já viu gatos ou cachorros sentir falta dos pais ou mães? A eles só interessam quem cuida deles, aliás, os próprios donos e que são humanos."

- Hum, hum, parece certo, mas não explica tudo sobre todos os animais.

- E o que mais explica tudo Coruja?

Com os olhos arregalados a Coruja me respondeu:

- Você já viu gatos caçando ratos, ante os olhos tristes da Ratazana?

Piscando aqueles olhos gateados, próprios das mães corujas, ainda perguntou-me desafiando:

- Já viu também cachorros brincando com os porcos ou esses cães maldosos mordendo e estraçalhando os leitões da mãe porca, que acabara de dar à luz a esses seus filhos leitõezinhos?

"Não respondi, apenas baixei a cabeça e comecei a tomar mais uma taça de vinho."

A Corujona me apresentou uma corujinha morta. Disse-me que sua primeira filhinha nasceu viva e quando abriu o bico para o primeiro alimento, veio uma enxurrada que lhe afogou e a matou num instante (para quem não sabe, as corujas vivem em tocas, isto é, em buracos que elas cavam no chão dos campos onde habitam).

- Sabe o porquê de enchentes sobre nosso terreno e que inundam nossas tocas, a ponto de matar ossos filhotes afogados?

Como é de se esperar, calei-me. Tomei rapidamente minha última taça de vinho e arrumei minha cama para dormir, mas não consegui me deitar, perguntando na escuridão da noite, aonde estaria minha casa e tudo o mais que dentro dela continha até poucos minutos antes.

“Cadê a Mãe Coruja? Aonde se encontra minha gata Sofia?”

Sem não mais ver a Mãe Coruja, até que enfim descobri pelos barulhos, que minha gata Sofia estava vagando pela casa toda arrepiada e miando. Na verdade ela dava um alto miado e em seguida outro mais alto ainda, muito estranho.

Lembro-me que me deitei, ou melhor, caí de costas em minha cama e mais nada pude ver ou ouvir. Não sei se dormi ou desmaiei.

No dia seguinte acordei-me com dor de cabeça e ressacado pela bebedeira de vinho. Senti-me deprimido e com um monte de fantasias em minha cabeça.

Depois de me levantar e tomar um bom banho e um café forte, lembrei-me que William Shakespeare tinha razão, quando afirmou:

“A verdade é que entre o céu e a terra existem mais coisas do que aquelas com que pode sonhar a nossa vã filosofia”.

Sem saber em que mais pensar ou fazer, consolou-me uma pequena oração que fiz, depois de me lembrar das palavras do Mestre dos mestres:

“Pai, Senhor do céu e da terra, eu te dou graças porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, bem digo-te porque assim foi do teu agrado."
Jesus Cristo