Alegria

Eu era um pequeno garoto que morava em uma grande casa, essa casa possuía um belo jardim nos fundos e uma frente ampla e coberta com árvores. Ela era cercada por uma grande mata, ou seja, não haviam vizinhos, não haviam lojas, não haviam outras pessoas além de mim. Como eu residia ali sozinho, todo o seu espaço era meu dominio e eu o usava para brincar. Eu era um garoto solitário morando em uma casa velha feita de tijolos, cujo as janelas não abriam, e que contava com uma pintura tão antiga e fragilizida que bastava um leve assopro para que as últimas camadas de tinta seca sobre os tijolos caíssem. Mas eu gostava da solidão, gostava da deliciosa sensação de ser sozinho e isso me tornava frio, tão frio quanto as paredes de pedra do porão. E eu também gostava da casa, gostava do seu cheiro de mofo e do ar gélido que durante a noite percorria por suas entranhas. Sempre brinquei só, mas um dia o senhor Sol resolveu não mais me deixar sozinho e para isso achou que deveria me dar uma companhia, e essa fora feita de um pequeno pedaço da luz do dia. Cabelos cacheados e loiros, olhos tão amarelados quanto ambar, pele bronzeada e quente, seu calor era tão tremendo que emanava a alegria e energia do verão. Sim, essa era a minha companhia. "Gaudium, esse é o nome da sua companhia. Aproveite" disse a mim o senhor Sol. Eu não sabia o que fazer porque aquele ser que deveria me acompanhar era tão diferente de mim e a minha velha casa parecia não estar nem um pouco feliz com isso. Em alguns dias, a casa já não era mais fria, as coisas estavam infestadas com todas as sensações geradas por Gaudium, nada estava igual. Até as flores do quintal voltaram ao normal. A casa parecia doente e tudo soava muito diferente, não havia mais o cheiro de mofo e muito menos aquele frio gostoso que dançava delicadamente por entre os seus cômodos, mas eu ignorei os sinais porque era Gaudium quem me fazia bem naquele momento. Passei a gostar mais daquilo que foi criado para estar comigo do que daquela que sempre esteve ao meu lado, preterindo-a, e tal coisa ela sentia, tanto que a cada dia só adoecia. O tempo foi passando, a casa foi cada vez mais se deteriorando e o inverno se aproximando. Quando o primeiro floco de neve atingiu o chão, o último tijolo dela, que ainda estava de pé, se dissipou em pó. Sem a casa, o calor de Gaudium foi diminuindo e, dessa vez, eu senti o frio, de fato, me consumindo e isso doeu. Em pouco tempo, a mata inteira era um resplandecente deserto branco e Gaudium já parecia ser apenas outra figura humana. Seus olhos já não eram tão amarelos, sua pele não era tão quente e seus cabelos caiam na mesma proporção que os seus dentes. Gaudium se consumira, o frio lhe rasgou com tanta ira que aquele ser, que tomei por amigo, feito de sol se tornou um pequeno feixe de luz e neste estado pouco durou. E ali estava eu, solitário novamente, com um frio de me fazia violentamente bater os dentes, e sem qualquer coisa ao meu lado, a refletir sobre o ocorrido e concluindo que a única coisa que sempre precisei foi a minha velha casa.