Coração vertiginoso, pulsação tribal

A noite acende-se. Miríades de fagulhas estroboscópicas. O coração palpita em um ritmo vertiginoso, pulsação violenta como uma batida de música tribal. Sinto uma sinfonia cacofônica desenvolvendo-se internamente. A totalidade corporal expõe-se de forma insana. Veias, artérias, músculos, sangue, ossos e órgãos dançam em um balé surreal.

Aspiro um punhado de cocaína. Bebo, do gargalo de uma garrafa, doses de vodka. Os pés movimentam-se em frenesi. Os olhos enrijecidos tentam fugir de suas órbitas. As mãos epilepticamente violentam o ar.

Percorro o pequeno apartamento em um caminhar psicótico. Sinto um vácuo interno, como se todo o conjunto de sentimentos e sensações houvesse sido digerido. Dor, terror, beleza, libido, pré-conceitos, re-sentimentos exilados do corpo.

Ligo o estéreo. Alguma banda, dos anos 80, distorce guitarras em meus tímpanos. Desenvolvo alguns passos de dança. Abro e fecho torneiras. Copulo com os móveis estáticos. Acendo a televisão. Aumento o volume do som. Ingiro mais algumas gramas de coca.

O coração palpita em um ritmo vertiginoso, pulsação violenta como uma batida de música tribal. Ela está deitada na cama. A beleza de seu corpo impõe-me lágrimas autistas. Sinto seu odor. Doce aroma de papoulas opiáceas que estimulam as ventas. Toco o seu rosto. Tez sedosa de maciez explosiva. Beijo suas mãos. Mãos de inocência radioativa. Percebo seus olhos. Singelos olhos.

Empunho a gilete que desenhava carreiras de coca no espelho. Coloco-a rente ao peito, e escrevo seu nome; ao lado, amor. O sangue escorre, de início timidamente, depois como um rio transbordante. Ela continua perdida em seu escapismo sonífero. Pequeno anjo surreal. Concretização real de meus sonhos.

Penso em acordá-la, mas sua imagem divina-ingênua-sensual, como a de uma santa maculada criada apenas para o meu deleite, faz com que eu me perca em um estado de contemplação. Não a acordo. Apenas a visualizo. Idolatro-a. De herege, torno-me crente. A transcendência, abstraída de seu lamaçal de decadência, torna-se pura.

O coração palpita em um ritmo vertiginoso, pulsação violenta como uma batida de música tribal. Continuo aspirando hiper-doses de soldadinhos colombianos. O grau zero atinge a nuca e a coluna e direciona-se para a genitália, causando uma ereção primata. Pau artificialmente duro. Tesão impuro. Excitação precoce.

Acomodo-me ao lado dela. A narcose interage com a suntuosidade de fêmea letárgica. Alicio as coxas. Fulguração explosiva expondo sensualidade profana. Aspiro restos de coca impregnados nas narinas. Transgressão lasciva impondo intensidade insana. Mastigo os lábios amortecidos. Lambo o dorso macio. Iluminação virtuosa. Irrupção sugestiva. Sublimação poderosa.

A ereção desenvolve-se em um fluxo doentio. Retiro as calcinhas. Permaneço junto ao corpo. Ambos de bruços. Injeto o falo na vulva adormecida. Penetração profunda. Movimento frenético, para frente e para trás. Ela continua dormindo. Dança ritual reconstruindo a selvageria de Eva em um ingênuo estupro não intencional.

O sulco vaginal esfola o falo. O excesso de coca, impregnado nas narinas, permite a conexão narcótica. Movimento-me cada vez com mais força. Solto um gemido do interior de cordas vocais hiper-excitadas. Gemido prolongado em terceiras e oitavas.

O pau duro irrompe em tesão impuro. As narinas absorvem a coca, naturalmente. O coração cria a conjugação dos dois atos. Sexo e narcose. Amor e insânia. Alucinação físico-espiritual extrema. Penetração. Aspiração. Premonição orgástica esquizofrênica.

Ouço uma explosão interna. Sinto o sangue escorrer entre as veias. O coração palpita em um ritmo vertiginoso, pulsação violenta como uma batida de música tribal. O corpo frágil, demasiado humano, não suporta o êxtase extremo. A pulsação excede-se até a paralisia total. Morte. Overdose.

O corpo flana entre chamas. Fogo queimando a derme e alma de populações primitivas. Odores pútridos peregrinam entre as ventas de sociedades ainda não concebidas. Resíduos espirituais, morais, afetivos e sociais são destroçados, entre éter e enxofre. O grande vale incita a volúpia a partir da punição. Negros, homossexuais, mulheres, desregrados, indigentes e poetas são açoitados, em praça pública, pelo ódio cego dos bons samaritanos. Uma multidão de crianças é acometida pelo princípio ativo de viroses penitenciais. Ao assassino é imposto o assassínio. Ao suicida o suicídio. Aos mortos, uma eternidade de morte. Para aqueles que buscam a felicidade, o sofrimento é imposto. A vida corrompida é glorificada em uma ode à destruição.

Um altar majestoso cospe pequenos demônios. No interior, em um trono de pérolas, Maria, a mãe de Cristo, descansa seu milenar corpo. Pairo ao seu redor. Ela me convida para sentar ao seu lado. Beijo suas mãos. Lágrimas escorrem da face. Uma música bizarra pulula nos tímpanos. Som atonal deflagrado no inconsciente.

A grande mãe encara minha face. Pergunto-lhe onde está Deus. Ela toca meus lábios e sussurra: vocês o mataram. Sinto uma doce inquietação atingindo meu ventre. Suave-insana inquietação. Uma leve dor no tórax me excita. Fagulha gradual de iluminação.

Inesperadamente, a grande mãe começa a sugar meu falo. Sexo oral. Êxtase paradoxal. Virulência sensual. Divino fluxo. Peço-lhe para penetrá-la. Ela apenas sorri. Retiro suas vestes. Corpo de esplendorosa beleza. Coxas renascentistas. Vulva rosada. Seios gigantescos ejaculadores de leite venenoso.

Penetro-a. Ela continua sorrindo. Risada profana que percorre as vísceras do céu. Injeto meu falo na vagina divina. Penetração. Movimentação. Sutis contornos corporais associando os dois corpos. Penetro-a com mais força. Sinto um fluído sutil em minhas coxas. Sangue insípido. Sangue não mais virginal da grande mãe. Atinjo o clímax. Rolo para o lado. Limpo o sêmem fresco do falo. E acordo na cama, ao lado dela, com a as narinas sangrando e o coração palpitando em ritmo lento, pulsação, quase moribunda, como uma batida de música desacelerada.

Sinto o gosto doce da overdose em minha boca. O corpo em sua totalidade, semi-adormecido, contrasta-se com a mente hiper-ativa. Encaro o teto. A luminária emite uma luz contínua. Respiro fundo. Recobro os sentidos.

Ela se mantém belíssima em seu sono atemporal. As gramas de coca espalham-se a esmo. Direciono-me para a sala. Abro as janelas. O sol irrompe na noite do pequeno apartamento. Fachos de luz cegam meus olhos. Luz de intensidade canibal-facínora.

Do décimo sexto andar, contemplo miríades de seres perdidos em um labirinto sem saída. Esqueletos de ferro e esqueletos de ossos compartilham o mesmo ambiente. Músculos atrofiados em corpos moribundos. Ferro e aço em cópulas bizarras. Alguns demônios, em sua diurna peregrinação, voam entre nuvens de enxofre. Outros percorrem o solo vampirizando a libido e sua impotência. O caos felicita-se pela sua própria existência.

Resíduos de oxigênio transubstanciam-se em essências assassinas. Plantas venenosas de plástico crescem no solo. Gigantes de concreto pisoteiam os restos da flora anteriormente viva. O terror é amenizado pela apatia. A dor perde sua brutalidade pela alienação auto-imposta. Do céu, Maria, a grande mãe, ao lado do deus morto, contempla a caricatura da morte no semblante de seus próprios filhos.

Acendo um cigarro. Escarro doses de catarro na cena rotineira cotidiana. Faço uma careta de escárnio. Fecho as janelas. A noite retorna. A vida se envolve em purpurina. Estico uma longa carreira de pó. Duas supra-gramas de inspiração colombiana. Aspiro com vontade a dose necessária para a manutenção do não-organismo. Sinto o fluxo gélido percorrer o corpo. Grau zero atingindo a nuca, a coluna e o falo. O coração palpita em um ritmo vertiginoso, pulsação violenta como uma batida de música tribal. Deito-me na cama ao lado dela. Minha efemeridade agora é eterna.

.

Diego de Carvalho
Enviado por Diego de Carvalho em 16/11/2005
Código do texto: T72349