TEMPESTADE AVASSALADORA

Doce Dezembro... Tudo se move de forma inspiradora lá em cima, sim em cima, o segundo céu é a terra dos viventes, e embora dezembro acabe de começar, os preparativos para o natal estão a todo o vapor, as pessoas até esquecem-se de se agasalhar tamanha a empolgação. Antes que conseguissem decorar tudo lá fora, começam a correr da chuva ou do choro do céu que os cobre e os lamenta por não encontrar motivos para comemorações, pois com a modernidade dos séculos, as pessoas já não se lembravam do genuíno significado de amar. Sem o adorno dos pássaros angelicais na visão daquele imenso azul, agora sombrio, cada gota daquela gélida melancolia torna-se pura elegia, gotejando ao pulsar mais forte do coração, misturando-se ao sibilar da boca que se aquece com a bebida quente ao pausar de uma conversa aconchegante, e o olhar fixo das crianças pela janela relembra um passado ainda verde em sua memória, mas sem cor nenhuma lá fora... Era ele, o velho amigo inverno de outrora. Enquanto isso, houve-se um: - Ploim! Uma pedra jogada na cachoeira, uma atrás da outra. Crianças... Como é difícil escutarem os mais velhos... Mal sabiam aquelas inocentes crianças o terremoto que causavam num lugar onde sua imaginação fértil jamais ousaram florescer... - (Barulho de trovões)

- Ah não, de novo não!

Havia ali debaixo daquela cachoeira, localizada exatamente no centro da terra, 4 reinos, chamados de “As 4 Estações”. Cada reino situava-se na mesma ilha, mas eram separados por campos eletromagnéticos que jamais poderiam ser corrompidos, pelo equilíbrio e sobrevivência de toda a linhagem das famílias reais, bem como o de toda a humanidade. Os reinos são compostos por quatro famílias, a descendência de cada família vinha de seus próprios irmãos, ambas as famílias não podiam manter contato, cada um deveria pertencer a seus membros de origem, e era assim que as 4 estações, responsáveis pelo clima de toda a terra, se mantinham definidas e invioláveis. Todos ali vivem e moram em castelos suspensos, nada de terra firme, eles nasceram para a liberdade do ar. Antes de iniciar o ciclo de uma estação, uma nótfin (criança) predestinada nasce antes que ela comece, então, a partir do seu nascimento, iniciada a estação, a nótfin é isolada na floresta sombria, onde não há clima definido, e é lá finalmente, quando elas alcançam a consciência madura, que o predestinado deve descobrir por qual estação é responsável de fato, para então ser exposto a luz do sol, e em sua liberdade ser dissipado pelos raios solares em forma de sacrifício a natureza em nome de sua família, que também voava para executar seus poderes climáticos no mundo exterior. Não obstante, vivia trancada a sete chaves num castelo sombrio, em terra firme, abaixo dos reinos suspensos, a temida e deslumbrante Tempestade Avassaladora. Não que existisse alguém ali de aparência desagradável, ao contrário, todos se assemelhavam a deuses e deusas de corpos esculturais e de peles e olhos distintos para cada estação. Mas ela, especificamente haveria nascido com uma deficiência visual, o que aos olhos daqueles nobres témpfins (seres climáticos) de asas magníficas, mas de pequena estatura, fazia dela uma témpfin insuperável, o que infelizmente não era suficiente para que fosse desejada por todos, visto que sua cegueira somada ao seu descontrole de poder invernal levara a bela a viver uma vida, ou quem sabe a morte, longe de todos.

- Alguém...? Alguém...? Ninguém... Como será o mundo lá fora? Mas de que me vale saber se nunca conseguirei enxergá-lo? E de que me vale tocá-lo se tudo o que eu toco é destruído pelo meu avassalador poder invernal?

- Eu só tenho os sons, a música, as palavras que o vento me traz aos ouvidos docemente...

Cada dia de sua solidão, Tempestade Avassaladora, se tornava mais fria, cada dia descongelava por dentro, enquanto seus passos congelavam o caminho por onde passava. Sua dor já havia disseminado em todos os quatro reinos pela tempestade de neve e agora ameaçara o mundo humano.

Todos os témpfins dos quatro reinos começam a adoecer por causa do frio, a ordem perfeita da natureza havia se desestabilizado. Um homem por nome Orvalho Inesquecível, considerado rebelde da família por não ter se casado com sua única irmã solteira, foi o último a adoecer de frio. Porém todas as noites os ventos uivantes batiam na janela de seu quarto...

- Alguém...? Alguém...? Ninguém... É só o vento que nos mata.

Todos os dias o vento batia em sua janela e ele prontamente atendia, mas dessa vez havia exalado seu perfume de flores primaveris, saudade de um amor que nunca teve e nunca haveria de ter ali...

Seu perfume viajou até os sentidos de Tempestade Avassaladora, que lhe enviou desejos apaixonantes, ardendo intensamente por um amor nunca tido, o que não resistindo Orvalho Inesquecível, fugiu de casa, e valendo-se da impotente situação de todos os nobres do reino, ultrapassou os campos eletromagnéticos para encontrar sua amada por ele nunca vista.

- Onde você está? Apareça para mim.

O ambiente coberto pela neve banhou-se em suspense.

Saiu então, contrastando com o enorme castelo sombrio, aquela encantada beleza da neve, cujos olhos negros como a noite engoliam a brancura de seu corpo e cabelos longos.

- Isso é para você. (de sua mão floriram rosas para ela).

O que não entendendo, sua reação foi agressiva e impulsivamente o feriu com um curto raio.

- Esse cheiro... agora eu sei que és... Desculpe o mal jeito, não foi mi...

- Você é mais do que a beleza pode suportar. Deixe-me abrir seus olhos.

Nesse momento Orvalho Inesquecível, não tocou em seus olhos, mas seus lábios tocaram nos seus suavemente, tornando aquele momento inesquecível de forma tal que até os dias de hoje essa história de amor se perpetua.

Orvalho Inesquecível, fora curado no mesmo instante que descobriu o amor, Tempestade Avassaladora, descobrira o sentido de tudo.

-Céus, me desculpe, eu não consigo controlar!

Seu jeito de amar, um tanto demasiado e avassalador, não a permitia controlar seus instintos, de modo que a ventania já estava arrancando árvores, fazendo cair granizos, e ocasionando avalanches. Nessa hora a família inverno e primavera, após travada discussão possibilitada pelo portal que o rebelde deixara aberto, surge em meio ao tempestuoso romance.

Obrigando ambos a se afastarem e a não se verem nunca mais, e na tentativa das duas famílias de separarem um só coração, Tempestade Avassaladora, instintiva e intempestivamente, aniquila a todos os que ali estão, incluindo seu único e intenso amor. E não sentindo mais cheiro de vida em seu amado, Tempestade, num grito cortante fez cair sobre si um raio cruel e aniquilou- se a si mesma.

Desde então, no mundo dos humanos, apenas neva as lágrimas amargas de quem teve o amor usurpado, mas toda vez que alguém consegue amar, mesmo que o frio suspire a espinha, uma flor desponta da neve como um sinal, um sorriso inesquecível a esse gesto de força avassaladora.

Lara Araújo
Enviado por Lara Araújo em 05/05/2021
Código do texto: T7249003
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