A princesa glutona

 Atenção: esta narrativa possui cenas de preconceito explícito, não obstante, se eu fosse você não deixaria de lê-la, pois, as personagens são muito divertidas. 

 

     Era uma vez uma linda princesa que vivia feliz trancada em seu castelo. 

     Bem, na verdade a moça não era tão linda assim. A adolescente ruiva, sardenta, baixinha e glutona, pesando quase cem quilos, nunca atraíra a atenção de nenhum príncipe encantado dos reinos vizinhos. Sua mãe, a altiva e bela rainha Esbelta, proibira a princesa de cruzar os portões do palácio para fora, enquanto não perdesse o vexatório excesso de peso. 

     No amplo e luxuoso salão real, o rei, rainha, corte e empregados, discutiam o que fazer para resolver o problema da jovem princesa comilona. 

– Eu digo, Majestade, que a princesa está obesa por causa dos bolos de carne com molho picante, que ela devora todos os dias – afirmou o capitão da guarda real com convicção. 

– Pois bem, eu ordeno que o cozinheiro seja decapitado – disse o rei. 

– Por favor, Majestade, não faça isso comigo! Eu imploro. O pobre cozinheiro disse tais palavras aos prantos, e se atirando aos pés do soberano. 

– Querido – redarguiu a rainha – acho que não seria uma boa ideia, escute, vamos fazer o seguinte, e cochichou algo no ouvido do rei. 

– Atenção, acabo de ter uma brilhante ideia. Todas as dietas pelas quais minha filha passou até agora falharam miseravelmente. Eu darei a mão da princesa em casamento ao homem que a fizer emagrecer. Caso a ideia venha de uma mulher, prometo recompensá-la com cem moedas de ouro. 

    O silêncio que se fizera então, chegava a ser constrangedor, até que o velho médico da corte, que era viúvo, dirigiu-se à princesa: 

– Sabe, Alteza, enquanto vós comeis do bom e do melhor, os súditos do seu pai estão passando fome, graças aos pesados impostos que o rei os obriga a pagar. Esse fato não lhe dói na consciência, minha jovem princesa? 

– Oh, sim! Dói-me muito saber que os súditos passam fome. Desse modo, devo comer ainda mais por eles. 

– Guardas – ordenou o soberano cheio de cólera – coloquem esse patife no calabouço. 

    Nesse instante uma senhora de meia-idade abriu caminho na multidão, e chegando até a rainha, entregou-lhe um pequeno frasco e esclareceu: 

– A princesa não quer emagrecer. A tola deseja que gostem dela como ela é. Como isso é quase impossível, quando o próximo príncipe vier visitar o reino, coloque um pouco dessa poção do amor num cálice de vinho, que deve ser oferecido ao nobre. Assim, quando ele a vir, ficará imediatamente apaixonado pela princesa Léa. Casar-se-ão, irão viver em outro reino e Vossa Majestade não terá mais motivo para se envergonhar. 

– É realmente uma ótima ideia! – observou a rainha eufórica. Uma mãe não deveria dizer tal coisa, no entanto, devo admitir que gostaria muito que a minha filha fosse como eu, com tudo em cima, porque me cuido malhando bastante para manter a boa forma. Mas, quem sois vós, boa senhora? 

– Sou a feiticeira da floresta. Desencalhar barangas é a minha especialidade. 

– Baranga? Nunca tinha ouvido antes essa expressão; pode me dizer o que significa? 

– É uma palavra que veio do futuro, minha rainha. Diz-se quando uma moça é muito tímida – mentiu habilmente a feiticeira, para não perder a cabeça na guilhotina. 

 

    Finalmente ao final de dois meses, toda a corte se reunira em um suntuoso banquete em homenagem ao príncipe Sérgio Modesto. 

– É um grande prazer recebê-lo aqui em nosso reino, príncipe Modesto – falou o soberano satisfeito. 

– O prazer é todo meu, Majestade. Meu pai manda lembranças. 

– Oh! E como tem passado o nosso bom rei e amigo, João Honesto? 

– Meu pai anda às voltas com uma fera difícil de lidar. 

– Não nos diga, príncipe! É um gigante, um ogro do pântano ou será um dragão de duas cabeças? – fora a vez da rainha, muito admirada, questionar. 

– É a minha mãe, Majestade. Aquela mulher é uma verdadeira fera! 

– Vamos ao banquete – proclamou o rei. 

    Depois de sorver o vinho com a poção do amor, o jovem príncipe declarou embevecido: 

– Declaro jamais ter visto, em qualquer outro reino onde já estive, uma mulher tão doce e bela quanto vós. A princesa Léa sorriu de orelha a orelha. O rapaz apaixonado tomou entre as suas mãos as mãozinhas brancas e delicadas da rainha Esbelta e propôs com decisão: 

– Largue esse velho decrépito e venha ser minha rainha, meu amor, pois já não sei viver sem a vossa presença. Meu coração, agora jubiloso, enamorou-se de vós, tornando-se cativo da vossa beleza. 

    A corte, o rei e a princesa, que estavam estupefatos, ficariam ainda mais espantados ante a resposta da rainha. 

– Com certeza, Sérgio, eu irei. É só o tempo de arrumar minhas malas. Ah, meu Deus!  Até que enfim amarrei um homem de verdade! Ei, não me olhem com essas caras de espanto – e falando de modo particular ao rei, aduziu: 

– Estou cansada da sua estupidez e moleza, Albert. Você é tão gordo e preguiçoso quanto a nossa filha; vocês dois são mesmo um caso perdido. Cruz-credo, ninguém merece! 

– Mas era para o príncipe ter se apaixonado por mim, mamãe – choramingou a princesa. 

– Ora, eu não tenho culpa de você ser a maior “baranga”, minha querida filha. Perca essa timidez, menina; existem homens, incluindo seu pai, que apreciam mulheres mais rechonchudas. Portanto, vá à luta! Agora, se me derem licença... 

    Mas Léa ainda não se conformara, e puxando Sérgio Modesto por um braço, considerou com voz desesperada: 

– Não pode se casar com a minha mãe, meu príncipe, pois ela já é casada. Por favor, Sérgio, case-se comigo! Sei que posso ficar bonita. 

– Com todo o respeito, princesa Léa, mas nem a fada mais poderosa do mundo poderia tornar Vossa Alteza uma mulher razoavelmente bela. 

– Ouviu isso, papai? – Léa se queixou às lágrimas – Ele me despreza. 

– Ouvi sim, minha filha – e lançando toda a sua carga de fúria sobre o jovem príncipe, o rei desabafou: 

– Como ousa falar assim com a minha gordinha, seu insolente! Volte para as terras daquele seu pai, saco de pancadas da mulher, e pode levar a rainha esquelética com você, Sérgio. 

    Notando a adolescente acabrunhada, o bobo da corte surgiu com as suas cambalhotas espalhafatosas: 

– Ei, princesa Léa – falou o palhaço com uma voz quase infantil – por que o cavaleiro mata o dragão com uma espada? 

– Não sei, bufão, existe outro meio? – respondeu a princesa entediada. 

– É que se ele usar um espeto, o bicho o assa. Hahaha! 

 

    Quando a princesa fora reclamar com a feiticeira da floresta, a mulher esclareceu: 

– A culpa foi sua, princesa. Depois de ter bebido a poção, o príncipe se apaixonou pela primeira mulher em quem ele botou os olhos. Vossa Alteza não deveria ter deixado a vossa bela mãe ao alcance dos olhos do príncipe. 

– E o que eu faço agora? – indagou a princesa desanimada. 

– Vossa Alteza aceita um sanduíche de carne de javali? 

– Hum, é claro que aceito. Léa mergulhou na comida, esquecendo-se por completo de tudo o mais. Dias depois saiu um decreto real: 

 

– Eu, Albert II, declaro que a partir de hoje, a princesa Léa está livre para sair do castelo quando bem entender, e juro que farei cortar a cabeça de todo aquele que ousar caçoar da sua gordura. 

 

 

    A princesa Léa conseguira afinal desencalhar (sem perder peso) casando-se com o açougueiro do palácio. 

    A ex-rainha Esbelta, agora rebaixada à princesa, pelo menos até o rei, pai de Sérgio Modesto, bater as botas, estava exultante. Finalmente podia dar vazão à sua real personalidade. Esbelta era mulher fogosa, preconceituosa e vaidosa. 

– Ah! Vamos parar um pouco, Esbelta. Por favor, não aguento mais correr nesta esteira infernal com a qual a feiticeira da floresta a presenteou. 

– Mas que homem mole, meu Deus! Nada disso, Sérgio, continue malhando. 

 

    Quanto ao rei Albert, escolhera entre as nobres da corte que eram sustentadas por ele, uma duquesa para ser a sua nova rainha: mulher pequena, de língua afiada e formas opulentas. 

    E todos foram felizes, cada um à sua maneira.