A estrada para Aestilen

Eliza levantou-se da cama ao ouvir o sino da torre do castelo bater duas vezes; a noite estava nublada e sem lua, era chegado o momento de partir. Ela colocou um manto impermeável com capuz sobre o vestido de montaria, prendeu uma adaga no cinto e aguardou ao lado da janela fechada do quarto, atenta a qualquer ruído que viesse do lado de fora. Finalmente, ouviu uma pedrinha bater contra uma das folhas de madeira; ao abrir e olhar para a escuridão lá fora, teve dificuldade em ver o vulto embuçado que a fitava lá de baixo.

- Afaste-se! Vou jogar a corda! - Sussurrou a figura.

Eliza colou-se à parede, ao lado da janela. Um gancho de metal veio zunindo e prendeu-se ao parapeito, uma corda grossa cheia de nós presa a ele. Ela passou uma perna pelo peitoril e, segurando-se com as duas mãos na corda começou o descenso. Em poucos instantes seus pés calçados com botinas de couro pisaram na terra preta do jardim do castelo.

- Dá gosto vê-la fazendo rapel, princesa - foi o cumprimento malicioso que recebeu, ao mesmo tempo em que o gancho era solto do peitoril com um safanão bem aplicado.

- Saber escalar muros poderia salvar a minha vida, foi o que me disseram, Lauke - replicou impassível Eliza, enquanto a interpelada enrolava a corda e a pendurava no ombro esquerdo.

- Sábias palavras - comentou Lauke, enquanto segurava a princesa pelo pulso e a puxava através dos canteiros de rosas.

- Onde os cavalos estão? - Indagou Eliza.

- Fora da muralha - replicou a guia.

As duas jovens atravessaram uma estreita passagem secreta sob a muralha, Lauke usando o cristal que trazia pendurado por uma corrente ao pescoço como fonte de luz; finalmente emergiram num poço de ventilação, no bosque atrás do castelo. Dois cavalos castanhos pastavam nas proximidades, erguendo as cabeças quando viram o brilho do cristal emergir do subterrâneo.

- Precisa de ajuda? - Indagou Lauke, fazendo menção de auxiliar a princesa a montar.

- Cavalgo desde os seis anos de idade - dispensou Eliza, pondo um pé no estribo e dando impulso para montar em um dos cavalos. Rédeas nas mãos, esporeou o animal com os saltos das botinas quando Lauke aprumou-se sobre o outro animal.

- Para o norte! - Comandou a guia, tomando a dianteira.

* * *

A cavalgada transcorreu sem percalços pela estrada de terra que ligava os reinos de Bashiron e Aestilen. Não cruzaram com vivalma ao longo das cinco léguas do caminho, e já próximo da terceira vigília, atravessaram uma ponte de pedra sobre o rio Meridiac. Havia uma sentinela do lado aestilense, que saiu para fora da guarita, alabarda em punho, ao ver a aproximação das cavaleiras.

- Quem vem lá? - Gritou o homem, braço erguido, no meio da passagem.

- Somos peregrinas, em demanda do Santuário de Orodraz - informou Lauke, sofreando o cavalo. - Pedimos passagem.

- Três dinheiros cada uma - arguiu a sentinela.

Lauke puxou meia dúzia de moedas de cobre da bolsa que trazia à cintura, e pagou ao homem. Em seguida, adentraram o Caminho do Norte de Aestilen, uma estrada larga e calçada com blocos hexagonais de calcário.

- Isso aqui é literalmente outro país - comentou Eliza, enquanto seguiam a trote sob a cobertura do céu nublado. - Não temos estradas assim em Bashiron.

- Seus antepassados nunca se interessaram muito em manter relações comerciais com Aestilen - ponderou Lauke. - A preferência deles sempre foi pelos reinos costeiros do Mar do Norte, e creio que a estrada de terra até a fronteira prova isso.

Eliza deu de ombros.

- Pois me ensinaram que a estrada de terra é só um meio de atrasar o avanço das tropas de Aestilen, caso resolvam nos invadir na época das chuvas. De qualquer forma, sabemos que esse não é o melhor caminho para chegar à capital de um dos dois reinos; o rio Meridiac é o caminho natural.

- Exatamente por isso o estamos evitando - replicou Lauke.

[Continua]

- [23-07-2021]