O Desafio

Eram muitos, todos devidamente acomodados à beira de uma piscina abandonada, situada numa antiga mansão que se encontrava em adiantado e assustador processo de completa ruína. O que já fora uma sólida construção agora se encontrava em franco abandono, aliás, de sólido somente restaram os dois dragões de pedra que vigiavam a fachada de entrada, fachada esta que já não se sustentava e era uma real ameaça de desmoronamento, onde se pode concluir, que os pobres dragões já não tinham muito o que guardar. Sim ali se realizava uma animada reunião. Encontrava-se reunidas a mais expressiva súcia de mosquitos, em animada e barulhenta conversa fiada.

Se alguém acredita que só em reunião de pescadores surgem as maiores mentiras e disputas de feitos heróicos, eu convido, neste momento, a rever seus conceitos, pois corre o risco de estar enganado, digo isso por que tais pessoas ainda não presenciaram uma reunião de ferozes e alados insetos. Eram todos da espécie aedes aegypti, da linhagem mais pura, descendentes diretos dos primeiros imigrantes africanos. Bem, pelo menos era o que todos ali presentes defendiam, pureza de origem, que segundo alguns ainda mais convictos afirmavam, seus antepassados pertenceriam à realeza dos faraós do antigo Egito.

Seguia animada a algazarra, onde cada qual relatava seus feitos, tentando superar o outro interlocutor. Se este dizia que conseguira dar conta em contaminar um CIEP com mais de mil frágeis e desnutridos alunos, aquele afirmava que seu feito fora mais completo, pois em apenas uma noite conseguira levar pânico a uma comunidade inteira, mais de vinte mil moradores que viviam à beira de uma vala negra, na maior promiscuidade que se possa imaginar. E nesse ponto, justiça seja feita, o narrador desse memorável feito, teve a humildade de admitir que não fizera tudo sozinho, mas contou com sua preparada equipe, sempre sob seu comando, é claro.

E assim ia animada a conversa onde um tentava superar o outro em suas vantagens, quando o mais polêmico e audacioso representante da espécie, levantou a voz e lançou um grande desafio:

- Ora, pelo que ouvi entre os presentes, não consegui detectar grandes feitos. Todos se referiram a pobres e indefesas vítimas que vivem à beira da miséria. Tudo muito fácil. Quero ver quem tem coragem e ousadia suficiente para enfrentar os ambientes mais finos, tentar atingir pessoas do mais alto grau na hierarquia humana.

Foi o bastante para levantar os ânimos e aumentar a desordem. Todos falavam (ou zumbiam?) ao mesmo tempo, ou seja, um verdadeiro pandemônio. Ninguém se entendia e todos se agrediam.

Com um sorriso sarcástico, o provocador da algazarra lançou um olhar em redor e concluiu:

- Bem, lancei um desafio e pelo que posso concluir vocês estão mais aptos a discutir do que agir. E como ninguém se prontificou a ser voluntário em tal empreitada, irei eu mesmo realizá-la.

E dirigindo-se a sua secretária, que permanecia sempre ao seu lado, indagou:

- Quem é autoridade maior nesta cidade?

Ao que prontamente a eficiente assessora afirmou:

- O prefeito. Ele é aquele que manda e desmanda nesta cidade.

Fez-se um breve silêncio. Retornando a palavra, o fanfarrão dirige-se à secretária:

-Você tem a agenda da ilustre autoridade?

Prontamente, sacando de uma pequena agenda eletrônica, a dedicada servidora pôs-se a consultar, acrescidos de alguns, huns! Bem!.., Vejamos! Ora, ora!... Sempre procurando valorizar seus préstimos. Finalmente anuncia:

- O senhor prefeito está sendo esperado amanhã às 19 horas para inauguração do novo espaço destinado somente a músicas clássicas e o endereço é tal e tal.

E para confirmar sua eficiência transcreveu em pequeno pedaço de papel o endereço e deu-o ao seu chefe. E ainda demonstrando eficiência e zelo advertiu, com muita cautela, o seu querido chefinho:

- Mas chefe, o local provavelmente estará muito bem protegido e a segurança em torno da autoridade maior, certamente deverá ser acirrada. Além do mais, estamos em época de campanha e provavelmente o prefeito estará cercado, além dos seguranças, de enorme número de puxa-sacos e o senhor sabe como esse pessoal adora aplaudir a cada palavra do político que por certo lhe trará alguma vantagem em apoiá-lo. O senhor sabe do perigo que representa muitas palmas para nós, indefesos voadores.

Mas a pequena advertência da secretária, ao contrário de intimidar, acirrou o ânimo do vaidoso desafiador.

- Não se preocupe minha querida jovem. Serei cuidadoso.

E assim, na hora e local da inauguração, lá estava o destemido mosquito pronto para dar cumprimento ao que se propusera devidamente acompanhado de mais alguns do bando, não só do seu como também dos opositores, isso tudo para ser constatado e asseverado da veracidade do fato.

Sempre atento aos menores movimentos do prefeito e de olho nos seguranças, o nosso herói esperou o momento adequado para dar o grande mergulho em direção a sua vítima. E, no exato momento em que agudíssimos sons de violino andavam pelo ar, zás... mergulhou num golpe certeiro.

Vitorioso com a empreitada e satisfeito pela presença das ditas testemunhas, todos retornaram ao local costumeiro, ou seja, a beirada da velha piscina. Ali foi aclamado por todos pelo significante feito.

Mas como todo orgulhoso não consegue conter-se em superar até a si mesmo. Não ficou satisfeito com a realização. Dirigindo-se à melosa e dedicada secretária, indagou:

- Qual será o próximo compromisso do nosso Prefeito?

E mais uma vez consultando a agenda eletrônica a jovem prontamente informou:

- Amanhã às vinte horas o senhor Prefeito deverá estar presente na inauguração e abertura da nova arena destinada a realizações de eventos para jovens. Teremos uma apresentação de várias bandas de Rock, coisa da pesada, tão a gosto dos jovens.

Dizendo isso, a eficiente assessora já foi fornecendo o endereço do local do referido evento ao seu chefe, que de imediato convocou novamente as mesmas testemunhas para mais uma investida contra o Prefeito.

Chegando no horário e local do evento o mosquito e todos os convocados passaram a aguardar. Já estavam preocupados pela demora da chegada do Prefeito, e a agitação do público quando o auto-falante anunciou que teriam que começar o festival sem a presença da autoridade uma vez que o senhor Prefeito estava impedido de comparecer, encontrava-se internado com sintomas de dengue. A princípio fez-se um silêncio, mas logo estourou uma grande vaia e urros contra a autoridade que faltara ao evento. Para compensar a falta de respeito para com a figura pública, alguns de seus adeptos passaram a aplaudir, assim que foi anunciado o seu nome, a princípio todos aplaudiram, mas logo tudo passou a ser uma grande algazarra.

E foi assim que o altruísta prefeito ganhou a mais sonora vai de sua vida política e pessoal e a Comunidade dos mosquitos perdeu o seu maior herói, entre as mãos de uma multidão em fúria.

Laerte Creder Lopes
Enviado por Laerte Creder Lopes em 15/04/2008
Código do texto: T946119
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