A Frigidez de Letícia ou Nasce uma Mulher

A Frigidez de Letícia ou Nasce uma Mulher

Letícia acordou. O efeito dos remédios havia passado .Sentiu medo de perder o controle, chegou a estender a mão para o frasco que o psiquiatra deu ,mas recuou. Começou a lembrar a conversa que teve com Nicole, a sós, no chá de Sílvia Simone da qual se aproximou e perguntou:

- Nicole, como fazes para superar o que se passou contigo? Vais ao psiquiatra?

- Não, Letícia, desenvolvi meus mecanismos de defesa: escrevo, leio, viajo , me atualizo constantemente e vou superando assim.

- Mas vives sem homem, não tens nunca nenhum, não tivestes?

- Claro que sim, Letícia ! Encontrei homens maravilhosos. Quase casei diversas vezes, mas nunca depois do fato que se passou comigo nunca mais aceitei um homem de Riocomprido...Sei que êles não tem culpa, mas o jeito que me trataram, inclusive depois do trauma, não sei, não os suporto Lê...Entendes? Um dia vai passar, eu sei.

- Entendo sim , Nicole, só não me compreendo . Nunca consegui ter prazer sexual com o Jean e todos sabem e falam e vêem também que é ótimo homem, pai ,e marido trabalhador. Escondi isto de mim no início do nosso casamento sabes, Nicole, eu fingia que gostava, mas nunca gostei. Acabei piorando e poristo tive que contar ao Jean,acabei em um psiquiatra que me disse que sou frígida e tenho que fazer um longo tratamento. Como eu ia saber? Quando casei era virgem... Mas bem que eu pedi ao Jean para experimentar, foi ele quem não quis, dizendo que eu era moça para casar. Houvesse me atendido ele não casaria comigo...

- Nunca pensaste, Letícia, que tu és quem poderia não casar com ele?- perguntou Nicole, intrigada, e franzindo o cenho - nunca te passou pela cabeça que podes, simplesmente ,não gostar deste homem? Sabe Letícia, às vezes acontece, às vezes a gente não gosta. Pensa Letícia, pensa bem, acredita em ti, em teus sentimentos...Olha, eu espero não me arrepender de ter te dito esta coisinha tão simples, - e Nicole se afastou para outro grupo.

A conversa está clara e nítida agora na mente de Letícia. Questiona se a submissão tão comentada pelo psiquiatra anos a fio não se transformou em uma submissão ao próprio psiquiatra, ao marido, aos familiares. Eram todos sempre a favor do Jean. Nenhum fez a pergunta de Nicole. Ninguém se interessou em querer saber se ela gostava dele, nem mesmo ela, talvez por receio da verdade.

E a verdade é que ela era uma moça solta, alegre, desinibida e namoradeira quando o conheceu. Jean, entretanto, na época e com ela, era extremamente rigoroso e ciumento. Letícia tinha que ser e se apresentar sempre cem por cento, não podia errar, não podia achar outro homem bonito, as amigas não prestavam porque todas tinham vida sexual livre. Somente ela não tinha vida amorosa porque Jean se negava para ela,enquanto não casasse. Fez o que se devia fazer para levar uma moça ao altar e conseguiu .É conseguiu mas a que preço! Que raiva tinha dele agora! E do psiquiatra dele! Das leis dele, dos processos dele, de tudo o que a rodeava e vinha dele. Não contava com uma amiga, sequer com os filhos pois eram filhos dele, tomavam o partido dele. Quanto a ela, a mãe, é a louca da família.

Letícia começa a se mexer inquieta, veste um biquíni e vai ao mar. Mergulha uma, duas, três vezes. Sai aliviada pois, desde a adolescência, não fazia isto. Banhos e mais banhos para se lavar de todos eles e dela mesmo. Nicole devia estar certa. Conhecia os homens ,e ela a conhecia e conhecia a sua história. Uma voz com um tom incisivo, mandante, interrompe seus pensamentos:

- Onde pensas que vais Letícia ?A essa hora, toda molhada! Devias ter tomado teu remédio, - diz Jean, rubro e contrariado.

- Eu vou trocar a roupa, Jean, e depois eu vou começar a caminhar. Eu tenho muito que andar sabe Jean? E, quanto aos remédios, podes procurar no vaso sanitário, replicou Letícia, firmemente.

- Dou te um dia para ficares sã sem a medicação. Vamos eu e teus filhos ter que te levar internada para Riocomprido.

- Tudo bem! Até amanhã ,então.

Pela praia, á tardinha ,Letícia recomeçou as caminhadas. Caminha sem parar, caminha até suar. Sua toda a medicação e toda uma vida de humilhações. A mulher frígida, - pensa ,- frigida com ele. Somente eu o conheço em intimidade, somente eu sei o que fez e o que não fez para me amarrar neste casamento. E como representa bem para todos os outros! Sempre gentil, paciente, e educado. E quanto aos outros? Quanto a minha família? Que me importam! Pouco ligam se estou bem ou não, jamais perguntaram:

- E tu, Letícia ,gostas de ter relações com o Jean? Gostas dele sexualmente? Minha resposta é não, não porque ele se bota em mim, não porque ele tornou as relações sexuais uma lei. É lei que a mulher tem que abrir as pernas para o marido sempre! Houvesse sido mais flexível e tolerante comigo, tivesse sensibilidade na primeira vez ao se aperceber que levava uma virgem para a cama e não uma mulher experiente e nada disto teria ocorrido. Odeio meu marido .Odeio minha família por quererem que eu siga casada porque socialmente é bem. E me odeio por não ter acreditado em mim tantos anos, como por ter me afastada da boa amiga que é a Nicole , movida por preconceitos das bestas que nos rodeiam.

Chega em casa cansada de caminhar, mas se sente extremamente bem,aliviada mesmo. Pega um livro e finge ler para não ter que falar com o marido. Temia uma briga violenta na praia e já sabia qual seria sua decisão . Vai se separar. Pode ficar sozinha, não faz mais mal, melhor a solidão que viver como se fora uma louca e, afinal, para ela Jean era pior que nada.

Letícia se comportou normalmente durante todo o final do veraneio. Cuidou se, falou pouco, nadou , caminhou e pensou muito. Recuperou, aos poucos, a crença nela e acreditando em si, desacreditou no marido. Não o contrariou, entretanto ,pois sabia que vinha discussão. Resolveu tratar o assunto com um advogado de Riocomprido que comunicaria a ele a decisão do divórcio. Sabia a batalha que estava comprando e com que inimigo, mas o passado era pior.

Lembrava o Sanatório onde duas vezes foi internada como depressiva, depois como histérica, depois como maníaca depressiva. Nunca havia um diagnóstico, sequer razões para a internar. Haviam as ordens do Jean ,"isto é certo, isto não é certo". Nem se passar,eventualmente, na bebida podia. Ela ia internada se tomasse demais no fim do ano, enquanto a sua empregada se divertia. Odiava o, e odiava por tudo o que a fez passar, as humilhações, os vexames, tudo, inclusive o psiquiatra burro, quando , em verdade, nada havia a fazer senão o que uma pessoa que soubesse conversar e que gostasse dela podia fazer. Alguém como Nicole.

--Um especialista vindo de Oceano Grande acabou de chegar, Dr Jean. Sua mulher foi examinada por ele e uma junta médica. Não há nada de errado com ela no momento. É só o que quero lhe dizer e mais, o Sr não vai conseguir a interditar. Sugiro que lhe dê o divórcio para traumatizar seus filhos o mínimo possível.

- Mas com os filhos eu fico! Os filhos são meus! Digam o que disserem a Letícia é louca, mais louca ainda em querer se divorciar. Não tem condições de viver só. Eu dou a separação para quando ocorrer o pior ficarem todos vocês de quatro. E tem mais, mulher eu não perco, porque nem isto ela é.

Felipe ,um homem maduro tomava um café na Place Pigalle, no Centro Comercial de Riocomprido quando Natalie, uma amiga de Letícia e de toda a turma que freqüentava a mesma praia se aproximou, sentou e lhe contou o que havia se passado com o casal, dizendo que Letícia estava bem e trabalhando, embora solitária.

- Sozinha, linda como é?

- Pois é, replicou Natalie às gargalhadas, mas ela costuma dizer que é frígida fazendo piada.

- Frígida a Lê?Que boa piada a dela!

- Também acho. Todas achamos. Bom, qualquer dia aparece qualquer um, e...

- Não espera aí, Nat, para ela não é qualquer um! Exclamou Felipe indignado ao lembrar de Lê.

- Ah, é, Felipe Quem então, hem? E Natalie, rápida como uma criança que fez alguma arte se afastou sem despedidas, mas a tempo de perceber desde o início da conversa o interesse de Felipe que vivia aos papos com o marido da Lê, dizendo que o Jean tinha uma” bruta gata”, uma “gata” que batia todas as outras porque era direita. E se há coisa que o Felipe entende, conhece, gosta, mima e paparica são as” gatas” ...

Lê voltava do trabalho quando o Felipe ligou para saber como estava. Combinaram um café. Acabou contando toda a estória, inclusive a sua suposta frigidez. Felipe a entendeu, não entendeu o Jean e mais, acreditou nela:

- Vais ter que sair qualquer dia para terminares de tirar da cabeça esta idéia que és frígida. Deus abençoe a Nicole! Já vi muitas mulheres ficarem assim por inexperiência ,é um não conhecer o homem e naõ se conhecer...

- Pois é Felipe, estou por aí à espera de alguém para sair, mas tem que ser alguém que eu goste, não te parece?

- É vai ser difícil..

- Porque? Tu és difícil Felipe?

Suzana Heemann

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 10/05/2008
Reeditado em 28/06/2008
Código do texto: T983219
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