Exílio: o vôo cego - Parte 4

- Essas nano-porcarias estão por toda parte. Invejo o tempo em que se preocupavam com ácaros. – resmungou Matheus enquanto abanava sua mão afastando a fina poeira que pairava no ar.

- Pessoal, tenham cuidado com os trajes. Agora quero o grupo A fazendo uma varredura a oeste. Grupo B siga-me. Ivan, Matheus e Henrique, vocês também. – ordenou o tenente Thiago ao grupo.

- Você ouviu o homem, cuidado com as figueiras assassinas! Ou quem sabe encontremos uma samambaia venenosa dessa vez. Céus, às vezes esses militares me parecem cegos com esse excesso de segurança. Penso que esquecem que a coisa mais mortífera que sobreviveu por aqui é verde. E por sinal, não se mexe. Bom, vamos lá Ivan, quem sabe com sorte eu dou um ou dois tiros de alerta. –replicou Matheus ao meu lado, se assegurando de fechar o canal de comunicação para seu veneno não cair em ouvidos alheios.

Seguindo o comando do tenente, partimos rumo ao norte em sua companhia. Como era de se esperar, a mata era constituída por um denso paredão verdejante, e a caminhada só foi possível pelo uso de serras elétricas.

- Essa é uma das vantagens de toda essa desgraça, sabe. - comentou Matheus- Acabou-se a consciência ambiental. Podemos cortar tudo isso sem remorso. Não sobrou nada para derreter nos pólos, de qualquer forma. Mas e você, Ivan, está calado hoje. Não, não me olhe com essa cara, sabe que te conheço como ninguém. Aliás, isso não é um grande mérito. Você bem sabe quem não é um tipo muito difícil, não?

- Sim, sim. Você faz questão de que eu não me esqueça do quão previsível sou. - respondi.

- Ora, ora. E pra que serviria os amigos? Mas vamos lá, o que houve?

- Sabe, acho que você percebeu pela nossa última conversa na proa da arca que estou começando a perder minha fé nas expedições. Depositei minhas últimas esperanças de finalmente achar algo nessa missão. Mas até agora, só vejo mais do mesmo. Verde, verde e verde.

- Então se anime, garoto! Ali já há cinza! – respondeu Matheus apontando para frente.

- Alto! Quero uma varredura completa do lugar!- gritou o tenente Thiago enquanto gesticulava para o resto do esquadrão.

Havíamos chego a uma antiga avenida. O asfalto se abria para dar espaço ao gramado alto. Espalhados pelo lugar, inúmeras carcaças enferrujadas de carros e ônibus. Nas laterais exibiam-se algumas decadentes fachadas de velhas instalações comerciais. A tensão do grupo quando atingia esses resquícios de civilização sempre tendia a aumentar. Talvez por fazer lembrar-nos do quão grande já fomos. E foi enquanto admirávamos aquelas ruínas que tudo aconteceu. De súbito, duas grandes explosões eclodiram ao sul de nossa posição.

- Mas o que foi isso?- perguntou-me Henrique assustado.

- Os helicópteros!

- Grupo B para base, grupo B para base. Alguém na escuta, câmbio?! Repito, alguém da escuta, câmbio?!- gritava o tenente pelo comunicador.

A resposta esperada nunca veio. Em seu lugar, ouvimos outra desesperadora mensagem.

- Grupo B, grupo B. Grupo A na escuta. Estamos sob ataque!-disse o soldado apavorado. Estampidos altos de tiro podiam ser ouvidos- Não sabemos o que são essas coisas. Aparecem de todos os lados, estamos encurralados! Precisamo...

- Soldado! Soldado! Mas que droga! Todos em formação! Fiquem de olhos abertos, temos algo por aqui.

Aglomeramo-nos costas a costas no centro da avenida e aguardamos alertas, sendo que o único ruído presente era o coro de nossa respiração pesada. Enquanto vasculhava o gigante verde com meus olhos, minha mente vagava entre as possibilidades que desencadearam a situação. Seria um ataque de outra arca? Impossível, isso seria altamente condenável pela Liga. Mas então, algum outro ser-vivo? Poderia?

- Senhor, eu vi algo! –gritou um soldado apontando para um amontoado de folhas agitadas, de onde pouco depois saiu aos tropeços uma criatura. Todos se viraram para encará-la com minúcia.

- Mas é uma... –admirou-se o tenente.

-Mulher.- conclui boquiaberto. Ou ao menos parecia uma mulher. Sua pele tendia levemente ao cinza, dando um ar exótico ao seu corpo esbelto. Os cabelos trançados eram longos e negros, e sua franja se jogava sobre seus olhos mel. Sobre a pele lisa, apenas uma roupa de linho e couro. Nenhum traje de proteção.