Começo do Fim - Parte 1

A loucura e o desespero eram os únicos sentimentos que dominavam quem tinha sobrado, não se via a esperança de uma situação melhor, os poucos que ainda conseguiam viver normalmente encontravam-se no interior. Ninguém estava a salvo, a doença havia se espalhado de forma rápida e avassaladora. A maioria se escondia em casa como podia, sobrevivendo dos restos que haviam sobrado.

Quando percebemos, um surto de uma misteriosa gripe se espalhou afetando a tudo e a todos. Cachorros, pássaros, cavalos, vacas, todos mortos em menos de um mês. Ao que parece o surto começou na Ásia, para ser mais especifico em Taiwan, era o que diziam. Em menos de uma semana, se espalhou para a Europa, e finalmente atingiu as Américas. Era horrível, começava com uma febre, evoluindo para pústulas de pus que saiam pelo corpo e finalmente uma hemorragia tão forte que o sangue se esvaia pelos poros. Não havia remédio, não havia cura.

Muitos, percebendo que a doença se espalhava, fugiam para outras cidades, fazendo assim com que a doença se espalhasse. Como disse, no interior alguns sobreviviam, isolados e sem contato com o resto do mundo, mas até estes estavam fadados a ficarem doentes, uma vez que os animais, fugindo da misteriosa doença, tratavam de espalhar ainda mais o inevitável. Por mais misterioso que fosse, a doença não chegou, a Santa Clara da Ajuda, fazendo com que seus habitantes isolassem do resto do mundo.

Em Santa Clara da Ajuda, uma cidadezinha de 500 habitantes, o mal não havia chegado, mas sabendo do que iria acontecer, moradores criaram barricadas com arvores, pedra e areia na única estrada de acesso, fizeram a mais ou menos 15 Km do início da cidade, e sempre deixavam alguns vigiando a barricada, para garantir que ninguém chegaria ao povoado.

Mais ou menos um ano havia se passado desde o início daquela doença, e nenhum habitante ainda a havia contraído. A vida seguia de forma pacifica, e o povoado, acostumado a falta de infraestrutura pouco sofreu, pois já estavam acostumados a não ter luz, saneamento ou tecnologia. Tudo funcionava através do escambo, e por incrível que pareça funcionava bem.

Não se tinha notícias do resto do mundo, as rádios não funcionavam, ninguém havia tentado entrar na cidade, e ninguém da cidade se atrevia a sair. Logo o prefeito da cidade, junto a mais alguns instituíram o conselho de governo, sendo o juiz e carrasco em condenações.

Cobravam parte do que era produzido para o conselho, armazenando o excedente e consumindo o que lhes era conveniente. Meninas começaram a ser aliciadas, e serviam aos propósitos do conselho, se é que me entende. E quando alguém cometia uma transgressão, o conselho julgava como era de sua vontade, as vezes castigando, outras vezes prendendo, mas até então ninguém havia sido morto.

Seu João tinha três filhas, todas vistosas e novas, a mais velha tinha 17 anos, seguida por uma de 14 e outra de 12, todas possuíam uma beleza exótica. Seu João, crescido por ali, plantava mandiocas, cenoura e feijão, homem forte, criava as filhas sozinho, desde que sua esposa falecera, antes da doença. Ia a cidade uma vez por mês, para trocar seus produtos por outros necessários a sobrevivência. Morava afastado, e seu sitio era cortado por um rio, que fornecia peixes para sua família. Não demorou muito para o prefeito reparar e convidar a filha mais velha de seu João para um encontro oferecendo algumas roupas e alguns quitutes, cheio de segundas intenções, pois queria possuir a garota. Seu João pressentindo o perigo, seguiu a filha, e quando a viu entrar na casa do prefeito entrou em desespero, invadindo a casa armado de seu facão, surpreendendo e matando os dois capangas, e por fim o prefeito que não teve tempo de reagir, pois estava tentando se deleitar da filha mais velha do seu João, a força.

Saindo de lá, ensopado de sangue e com a filha desmaiada em seus braços, voltou o mais rápido que pode ao Sitio, se preparando para represálias. O resto do conselho, sabendo da notícia da morte do prefeito e seus dois capangas, entrou em conflito pelo direito de governar, formando alguns grupos que se digladiaram pelo comando, restando apenas um grupo vencedor do conflito. Muitas pessoas morreram aquele dia dos 500 habitantes que na cidade residiam apenas 200 conseguiram sobreviver, mas seu João, com medo de tudo, correu para seu sitio, pegando suas filhas e suprimentos que havia estocado.

Tentando não arredar o pé do Sitio, mas com medo do que poderia acontecer, seu João e sua família, foram para uma gruta, próxima ao seu Sitio, e lá permaneceram entocados, a gruta ficava em um dos morros que cortavam a sua cidade, perto 1 km em linha reta de seu sitio, vivendo daquilo que havia plantado e estocado, sem ir à cidade, e esporadicamente visitando o Sitio, que a àquela altura encontrava-se depredado e saqueado, por pelo menos um mês.

Quando viu que ninguém conseguiu os achar, resolveu dar uma olhada na cidade. Ao chegar mais perto, pode notar que muita coisa havia mudado, as pessoas vivam sujas, brigando por migalhas, um grupo de homens mais fortes havia se tornado dominante, ficando com tudo o que era produzido e dando os restos para os que não possuíam a sorte de estar no poder, a lei e a ordem já não existiam, restando apenas a satisfação dos desejos.

Voltando horrorizado para a gruta, seu João informou o que havia acontecido para as filhas, e logo começou a se preocupar quando iriam finalmente procura-los. Prevendo o pior, tratou de se preparar e o mais longe possível daquela cidade iria. Conhecia várias rotas como a palma de sua mão, e sabia que a 50 km através dos morros dali, havia um vilarejo, difícil de se chegar. Com suas três filhas, e o que havia sobrado, pôs se a caminhar pelas trilhas através dos morros, sempre atento a tudo e a todos. Andou por três dias, só parando para comer e dormir, e não encontrou ninguém em seu caminho, tudo era deserto e silêncio.