Trolls
E quando Davynn chegou ao seu 12º aniversário, e estava tão alto e forte quanto seu pai, Ingemur, este o levou até um promontório de onde se podia avistar a vila de pescadores e a baía que a abrigava.
- Este é o mundo que você conhece - disse-lhe o pai, fazendo um gesto que abrangia as montanhas e o mar azul abaixo. - Mas há outro: aquele do qual você veio.
- Eu? - Retrucou Davynn intrigado, tocando no próprio peito.
- Eu e Nekisha o criamos como se nosso filho fosse e é isso o que você sempre será, - explicou cuidadosamente Ingemur - mas a verdade é que nós o encontramos aqui em cima, na floresta. Você é filho de trolls; um troll, portanto.
Davynn olhou confuso para o homem que conhecera como pai por toda a vida.
- Vocês me encontraram aqui... abandonado? Com que idade?
- Você foi o único sobrevivente de algum desastre que atingiu um barco voador dos trolls... seus pais estavam nele, e quando chegamos ao local, já estavam mortos. Creio que morreram te protegendo, na queda. Você ainda era um bebê, mas já se erguia sobre os pés e era tão grande quanto uma de nossas crianças de cinco ou seis anos. Soubemos imediatamente que eram trolls.
- E esses meus pais, trolls... o que fizeram com os corpos? - Perguntou Davynn com a garganta apertada.
- Nós os enterramos na floresta, é claro - prosseguiu Ingemur. - Do barco voador sobrou muito pouco, infelizmente. Queimou praticamente inteiro.
- Mas porque está me contando isso... agora?
- Por que um caçador disse ter visto um barco voador nas montanhas, há alguns dias. É possível que o seu povo ainda esteja lhe procurando, mesmo após todos esses anos.
- Mas eu não quero abandonar vocês... - gemeu Davynn. - São meus pais... minha família... tudo o que eu conheço!
Ingemur acariciou os cabelos louro-platina do filho adotivo.
- Sabemos disso, e não o estamos expulsando. Mas você não tem curiosidade em saber como é o seu próprio povo?
Davynn tinha. E também medo.
* * *
- Foi precisamente aqui - anunciou o alferes Hizum pelo visifone de pulso, indicando uma clareira na floresta, já meio coberta por arbustos e vegetação rasteira. Na ponte de comando do cruzador imperial "Sashmur-IV", em órbita da Terra, o preboste Raymir acompanhava a cena em tempo real pela grande tela panorâmica frontal. - Estas foram as últimas coordenadas transmitidas pelo bote salva-vidas para o diário de bordo. Efetivamente, ainda encontramos restos da estrutura do veículo espalhadas pela clareira, mas nenhum sinal dos ocupantes.
- Acredita que possam ter sobrevivido? - Indagou o preboste.
- Pouco provável. Teriam deixado algum sinal de sua passagem, para orientar as equipes de resgate, mesmo que estivessem impossibilitados de emitir um pedido de socorro.
- Mas se não sobreviveram... o que houve com os corpos? Animais selvagens?
- Nativos. Há uma vila na baía abaixo... podem tê-los encontrado e sepultado, de acordo com suas próprias crenças primitivas. Exteriormente, parecem-se conosco, embora tenham um porte menor.
- Então, isso encerra as nossas buscas - ponderou Raymir. - A não ser que...
Parou, imaginando se deveria contar ao alferes sobre a gravidez de Lady Ala. A criança poderia ter nascido, antes que houvessem sido obrigados a tentar um pouso de emergência naquele mundo inóspito.
- A não ser, senhor? - Inquiriu Hizum.
- Não, nada... estava divagando. Recolha amostras, e amplie o raio de varredura em busca dos restos mortais de Lady Ala e do senescal Sittur...
- Estamos providenciando isso neste exato instante, senhor - assegurou o alferes.
Um movimento na orla da floresta o fez virar para lá a lente do visifone. E, de súbito, ali estavam dois nativos cobertos de peles encarando-o com assombro. O mais jovem - e mais alto - embora queimado de sol, apresentava os cabelos tão brancos quanto os dele próprio, Hizum.
- Senhor... está vendo o que eu estou vendo? - Sussurrou, visifone quase colado à boca.
"Creio que Lady Ala nos legou um herdeiro", pensou o preboste.
[Continua]
- [03-05-2018]