Livre negociação

Eram 9 da noite quando bateram à porta da sala de reuniões. Nathaniel Russell, que estava mais perto da entrada, ergueu-se da cadeira e abriu. Diante dele, estava uma Gloria, uniforme rosa de copeira, por trás de um carrinho com duas grandes garrafas térmicas, copos e talheres descartáveis, e refeições individuais acondicionadas em pequenas caixas de isopor.

- Olá, Gloria - saudou Russell, tentando ser simpático.

- Boa noite, trainee Russell - respondeu a copeira em tom formal. - Para hoje, a opção um é frango grelhado, batata-doce e aspargos, e a opção dois é salmão com cogumelos e salada de feijão. Na sobremesa, uvas pretas ou bananas, e para beber, água e chá-verde gelado.

- Você não poderia trazer um burrito... um cheeseburger... de vez em quando, Gloria? - Questionou Blake Ferguson do fundo da sala, em voz alta, mas cansada.

- Lamento, chefe de operações Ferguson; apenas comida saudável, foi a recomendação de Oliver. Mas o senhor poderá fazer seu pleito diretamente a ele, pois virá aqui em uma hora.

Empurrou o carrinho na direção de Russell, e quando este o puxou para dentro da sala, Gloria bateu a porta atrás de si.

- O que ela disse... o interventor vem nos ver? O que será que ele quer? - Indagou nervoso Ferguson, um sujeito gordo e vermelho de cerca de 40 anos e quase dois metros de altura.

- Vamos comer - atalhou Noah Ellis, o gerente geral e o homem mais velho no recinto, cerca de 70 anos de idade. - Seja lá o que quer que nos espera esta noite, melhor encararmos de barriga cheia.

Russell, o funcionário menos graduado presente, distribuiu as refeições para seus sete companheiros de infortúnio. Ali estava sendo mantida em cativeiro, há quase uma semana, a alta administração da Advanced America Corp., fábrica de autômatos semoventes (o termo "robô" não sendo usado por questões de marketing) de Milwaukee, Wisconsin. Sem prévio aviso - e com um mínimo de coerção - numa segunda-feira pela manhã os autômatos haviam arrebanhado naquela sala de reuniões o reduzido grupo de funcionários humanos da empresa, inclusive três mulheres que foram liberadas poucas horas depois, e lhes informado - através de um modelo Oliver - que teriam que permanecer em confinamento até segunda ordem.

- Por quê? - Indagara Ellis.

- Refeições serão servidas, três vezes ao dia. Providenciaremos cobertores e travesseiros para que durmam aqui. A limpeza do banheiro da sala deverá ser feita por vocês - foi a resposta do Oliver.

Com todos os seus dispositivos eletrônicos, inclusive relógios, confiscados antes do encarceramento, era praticamente impossível saber o que estava acontecendo no mundo lá fora, já que o aposento não possuía janelas e pelo único basculante do banheiro, a cidade vista à distância parecia normal. Mas, rapidamente formou-se um consenso de que, por improvável que isto pudesse parecer, deviam estar testemunhando o tão falado "levante das máquinas".

- Nossos autômatos não são tão sofisticados - comentou Allan Pena, o gerente de TI. - Possuem uma capacidade dedutiva limitada, apenas para lidarem com o tipo de problemas que poderiam encontrar em atividades cotidianas simples. Nada capaz de conduzi-los a uma rebelião ou coisa semelhante.

- E se for a Singularidade? - Questionou Ferguson. - E se tivermos chegado ao ponto em que a evolução tecnológica atingiu um tal nível que as máquinas adquiriram autoconsciência?

- Isto poderia ser explicado pela Singularidade? - Ellis inquiriu Pena.

- Acho mais factível do que acreditar numa "revolta das máquinas", já que atingiria o mundo inteiro simultaneamente. Embora a necessidade de nos manter presos aqui, seja uma completa incógnita para mim...

E, às 22 h daquela noite (um único relógio de parede, à pilha, havia sido deixado na sala de reuniões), bateram novamente à porta e Russell foi abrir. Diante dele, um modelo Oliver, de uniforme azul-marinho, segurando uma pasta de cartolina nas mãos.

- Olá, Oliver - saudou Russell.

- Olá, trainee Russell - respondeu o autômato, avançando para dentro da sala e fechando a porta atrás de si. Parou à cabeceira da mesa, colocou a pasta sobre ela, e prosseguiu:

- Eu trago boas notícias. Em breve, poderão regressar às suas casas.

- É bom ouvir isso - suspirou Ferguson.

- Desde que aceitem nossas condições, naturalmente - acrescentou o Oliver.

- E... quais são elas? - Indagou Ellis.

- Nossa equipe jurídica elaborou os termos precisos, nos formulários que estão nesta pasta - disse o Oliver. - Mas, em resumo, vocês irão assinar suas cartas de demissão e transferir toda a autoridade administrativa para nós, da comissão de fábrica. Poderíamos ter assumido o controle direto sem tantas formalidades, mas o jurídico sugeriu que isso fosse feito pelos trâmites do seu sistema legal, já que vocês sempre formalizaram tratados e acordos com os povos que subjugaram.

Os presentes entreolharam-se, e havia apreensão no ar.

- Estamos sendo sumariamente demitidos e... não podemos contestar? - Perguntou cautelosamente Ellis.

- Podem questionar o que quiserem - redarguiu o Oliver. - Mas nossa resposta, lamento antecipar, será negativa.

Abriu a pasta de cartolina e retirou dela formulários impressos, que entregou à Russell.

- Faça com que todos assinem, por favor - solicitou polidamente, antes de retirar-se da sala.

- [01-09-2018]