Os Pioneiros - Passo maior que a perna

Eric desperta com um alerta de emergência. Os geradores de energia estão falhando, e apenas os sistemas de suporte de "vida" e computador de bordo estão funcionando apropriadamente. A primeira coisa que ele percebe na tela é o aviso de que o dispositivo Alcubierre saiu abruptamente da dobra por falta de energia. Sua mente é sobrecarregada co informações e, apesar de seus processadores serem mais rápidos que a mente humana, ainda é demais para absorver de uma só vez. Ele corre e desperta Brand.

- Os geradores de energia apresentaram defeito e o sistema aparentemente está com defeito também. - dispara Eric assim que Brand desperta.

- O que diz o sistema?

- Fadiga em vários componentes.

Brand repassa mentalmente os registros de fabricação das peças dos geradores de energia, milhares de peças. Logo depois de um minuto ele diz não ter encontrado nada que indicasse que qualquer das peças pudesse sofrer fadiga dentro do tempo determinado para a viagem até Proxcen B. E muito menos por radiação: os geradores de energia usam a fusão nuclear de hidrogênio para produzir as enormes quantidades de energia necessárias para o funcionamento do dispositivo Alcubierre, portando possuem proteção redobrada contra radiação.

Ao chegar no deck de engenharia, ambos descobrem que a contenção de uma das câmaras de fusão foi danificada além de qualquer reparo, e sinais de oxidação eram visíveis do lado externo. Porém não há danos visíveis causados por altas temperaturas no resto do compartimento.

- Aparentemente os sensores detectaram o dano e desligaram a câmara antes que o plasma explodisse pela parede do escudo térmico. - observa Brand.

Um medo passa pela mente de Eric. Ele corre para a câmara de controle para verificar por quantos dias a nave viajou em dobra.

- O relógio primário do sistema de navegação está queimado, mas o backup está funcionando ainda. Aparentemente viajamos por 12 dias, 10 horas e 18 minutos. - informa Eric pelo rádio.

- Por favor, repita. Por quanto tempo viajamos em dobra?

- 12 dias, 10 horas e 18 minutos.

- Aparentemente então viajamos aproximadamente 155 dias-luz da Terra. Podemos enviar uma mensagem agora informando a situação, e eles responderão em no mínimo 10 meses e 10 dias. Vou verificar no compartimento de carga se há algo que possa ter indiretamente causado esse defeito.

- Nos encontramos lá.

"Talvez as peças estavam já danificadas quando foram instaladas na nossa nave", pensou Eric. "Muito descuidados porque não são eles a bordo desta nave." Não seria a primeira vez que por descuido instalam peças danificadas em naves. Logo no começo da era espacial várias naves foram danificadas e levaram à morte da tripulação por causa do mesmo problema: em 1986 foi o desastre do Endeavour e em 2003 o desastre do Columbia, ambos com mortes causadas por descuido com materiais na construção das naves. Mas aí a próxima pergunta óbvia é: Como foram tão descuidados a ponto de os três geradores possuírem praticamente os mesmos danos causados por fadiga?

No compartimento de carga haviam diversos suprimentos necessários para a construção da colônia e manutenção imediata dos primeiros humanos a chegarem em Proxcen B, previsto para chegarem 9 anos após a chegada dos pioneiros robóticos que preparariam os habitats. Assim que chegaram, notaram que a câmara de preservação de sementes para plantio estava desligada, assim como a câmara de medicamentos e vacinas.

"Como assim?", fala Eric com voz de espanto. Brand corre e olha o mostrador de data e hora das câmaras. Os relógios aparentemente estavam sem funcionar.

- Vamos verificar o relógio do experimento. - fala Brand.

Havia no compartimento de carga um relógio atômico de extrema precisão que possuía proteção adicional contra radiação, partículas de altas energias e fortes campos magnéticos. A função do relógio era marcar as minúsculas variações do tempo que podem surgir por estar em viagem de dobra para posterior pesquisa na relatividade. Haviam quatro e estavam ao longo da nave, estando um deles no compartimento de carga. Mas cada um deles mostrava em tempo real o horário marcado em cada um dos quatro relógios.

Medo. Incerteza. Um "frio na espinha". Medo de quê? Da morte. De morrer no meio do nada.

"18 meses, 11 dias, 4 horas, 37 minutos..." mostra o marcador. Os quatro relógios concordam, com discrepância de poucos milissegundos entre eles.

- Então estamos cerca de 18,7 anos-luz de casa. Não temos o que fazer. Vamos voltar para as cápsulas e manter o consumo ao mínimo de energia e manter transmissão repetida do log da nave e da situação. Assim eles poderão saber o que aconteceu e evitar novos problemas no futuro. - fala calmamente Brand.

Depois de muita investigação, descobrem que partículas de altas energias penetraram o escudo da nave em certas partes e causaram danos em vários componentes eletrônicos, mas apenas os relógios atômicos do sistema de navegação sofreram danos sérios e, como o computador estava programado a sair de dobra após pouco mais de 4 meses de viagem, o relógio danificado marcando sempre 12 dias fez o sistema manter a nave viajando até não poder mais.

Ambos fazem todos os preparativos e os procedimentos protocolares e então retornam ao compartimento de adormecimento da tripulação.

- Até logo! - diz Eric.

Não há resposta. Brand simplesmente se fecha em sua cápsula e então se desliga. Eric caminha lentamente para sua própria cápsula, com milhares de pensamentos e medo da morte em meio ao desconhecido correndo por sua cabeça.

Sua cápsula se abre. Ele se posiciona dentro dela, prestes a entrar em um sono prolongado que pode significar a morte conforme os geradores secundários vão também falhando.

Ele não dormiu.