O Escolhido

Malakai Shaw havia acabado de tomar o desjejum com a esposa, e colocava a louça descartável no reprocessador da cozinha, quando a campainha da porta da frente tocou.

- Deixe que eu vejo quem é - disse a esposa, que já estava de pé. Acercou-se do painel da central de vigilância da cozinha e apertou o botão da câmera de segurança instalada sobre a porta da frente. Franziu a testa.

- Mal, têm um carro preto parado no nosso portão... e dois caras de terno preto e óculos escuros na entrada.

Malakai aproximou-se para ver melhor, e tocou na pequena tela LCD para abrir o circuito de áudio.

- Olá, quem são vocês? Não queremos comprar nada...

Um dos sujeitos ergueu um distintivo para a câmera: Connor Knight, Agente da NSA.

- Bom dia, senhor Shaw. Precisamos que venha conosco, assunto de segurança do Estado.

- Do Texas? - Indagou Malakai surpreso.

- Dos Estados Unidos da América - replicou Knight.

Malakai olhou para a esposa, que lhe devolveu o olhar.

- O que você fez, Malakai? - Indagou ela, com aparente tranquilidade.

- Nada, mulher. Nada. Deve ser algum engano.

E para o agente impassível na tela de vigilância:

- Um momento que já estou saindo.

A caminho da sala, virou-se para a mulher e perguntou:

- Nós temos advogado?

* * *

Os agentes transportaram Malakai para o subterrâneo de uma instalação do governo. Ele foi deixado sozinho numa sala e já estava ficando preocupado em ter uma longa espera pela frente, quando quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, entraram pela mesma porta por onde ele havia passado minutos antes. Um dos homens, calvo e com óculos quadrados de armação preta, jaleco branco de cientista sobre o terno, estendeu a mão para ele, que erguera-se com a entrada do grupo:

- Prazer, sr. Shaw! Sou Benjamin Santos, da Comissão Eleitoral, e estas são Nicole Foster, da Receita Federal, Leah Bradley, da Segurança Interna, e o coronel Darian Baxter, da Inteligência Militar.

Seguiu-se uma troca de cumprimentos e depois todos sentaram-se ao redor de uma mesa redonda num dos lados da sala.

- O senhor deve estar se perguntando o motivo de ter sido trazido para este local - principiou a falar Santos. - Como os agentes que o trouxeram devem ter dito, trata-se de assunto de segurança do Estado.

- Sim, e aliás, foi a única que coisa que me disseram durante todo o trajeto - retrucou Malakai.

- É compreensível - atalhou Santos, erguendo as mãos. - Logo, irá entender o porquê. Srta. Foster?

A representante da Receita Federal abriu uma valise que trouxera e colocou alguns objetos sobre a mesa: uma bola gasta de beisebol, um par de óculos Ray-Ban Aviator unissex, uma caneta Montblanc Meisterstück preta, uma necessaire de maquiagem e um brinco de pérola.

- Qual desses o senhor escolhe? - Indagou Santos.

- Para quê? - Indagou Malakai, sentindo-se vagamente irritado com aquela pantomima.

- Apenas toque num dos objetos, por favor - insistiu Santos.

Malakai intuiu que se lhe fosse permitido levar alguma daquelas coisas, o brinco de pérola provavelmente era o que teria algum valor de revenda. Tocou nele. Os quatro servidores entreolharam-se e sorriram. Em seguida, Leah Bradley abriu um estojo de veludo preto, contendo meia dúzia de frascos numerados de amostra grátis de perfume, e o exibiu para Malakai.

- Senhor Shaw, queira cheirar um por um destes perfumes e nos diga qual é o que mais gosta - intimou ela.

Malakai suspirou e seguiu a orientação. Os perfumes eram doces, florais, nitidamente femininos. Gostou de um, que lembrava algo que já havia comprado para a mulher. Ergueu o frasco.

- Este aqui.

Quatro cabeças balançaram em concordância.

- Número cinco... Versace Bright Crystal... confere - disse Bradley, guardando as amostras no estojo.

Havia chegado a vez do coronel Baxter. Encarou Malakai e perguntou:

- Quantas vezes devemos perdoar nossos inimigos?

Malakai titubeou, mas finalmente deu sua opinião sincera:

- Há coisas que não podem ser perdoadas.

Baxter olhou para os demais e fez um gesto afirmativo.

- É ele - declarou.

Os quatro ergueram-se, e assim também fez Malakai, imaginando que agora o iriam liberar.

- Parabéns, senhor Shaw... acaba de ser reconhecido como o novo presidente dos Estados Unidos da América! - Declarou entusiasticamente Santos, dando-lhe um vigoroso aperto de mão. Foi seguido pelos outros três, que repetiram o gesto.

- Eu... presidente dos Estados Unidos? Mas como pode ser isso? - Indagou surpreso Malakai.

- O processo de escolha é secreto - esclareceu Santos. - Foi iniciado há dois anos, e esta é a etapa final, a do reconhecimento. Os candidatos apontados pelo sistema, em nossa base de dados eleitoral, são confrontados com objetos e escolhas que os identifiquem como a reencarnação de algum presidente dos últimos 100 anos. No seu caso, o senhor foi identificado como a reencarnação da presidente Janelle Flores, que morreu há 39 anos.

- Eu fui Janelle Flores? - Indagou Malakai, apontando para o próprio peito.

- Mas, por favor, senhor presidente, não comece novamente com aquela história de querer passar férias em Cuba - alertou o coronel Baxter, dando-lhe um tapinha nas costas.

- [13-04-2019]