Ele Estava Louco

Ele estava louco. Partiu para cima de mim com o cano do escapamento na mão e uma expressão insana no rosto. Aparentemente o acidente de carro não foi o suficiente para ele. Depois de ter lançado seu carro contra o meu ainda queria me arrancar a cabeça a golpes de cano. Não pude fazer nada a não ser dar cinco tiros em seu rosto e pescoço, fazendo assim com que ele diminuísse sua velocidade e enfim caísse no chão. Mesmo morto ainda me inspirava certo medo, o cano de escapamento ainda estava bem seguro e não duvidaria se por um instante ele se levantasse e o arremessasse contra minha cabeça. Mas percebi que enfim estava livre dele e pude descansar jogando-me no chão exausto. Em poucos minutos a polícia estaria aqui e tudo acabaria. Eu mesmo fiz a ligação. Chamei-os quando percebi estar sendo perseguido por ele. Nesse momento eu tive um verdadeiro pavor e medo de perder a vida pois tinha acabado de ver do que ele era capaz. O que ele fizera a pouco foi brutal, me marcou para a vida. Agora imagine que depois de ver aquilo eu o surpreendo me seguindo. Uma descarga de adrenalina veio correndo pelas veias e me inundou em um pavor nunca antes sentido por mim. Na verdade eu acho que nunca tinha sentido pavor de algo antes. Sempre fui muito seguro de mim mesmo e sei que poderia escapar de qualquer situação perigosa. Mas isso mudou quando o vi naquela noite. Logo que ele entrou no quarto eu já senti algo estranho, mas não sabia ainda o que era. Eram seus olhos. Ele estava a mais de dez metros de mim e eu sentia como se ele estivesse a apenas dois passos, me encarando. Minha reação imediata foi a de afastar o rosto por medo de tal proximidade, mas logo percebi que na verdade ele estava muito longe, e isso aconteceu quando ele tirou os olhos de mim e colocou-os nela. Percebi que nesse exato momento ela teve a mesma reação que eu, apenas mais discreta, provavelmente por estar um pouco acostumada com ele, sendo sua irmã. Mas foi então que tudo aconteceu. Ele partiu para cima dela como um raio e a agarrou pelo pescoço com uma única mão, uma mão imensa que esmagava aquele pescoço frágil. E logo como se já não fosse o suficiente ter a asfixiado quase até a morte, começou a bater violentamente sua cabeça na parede enquanto declinava seus versos improvisados:

Ba-ta-ti-nha-quan-do-nas-ce

Você é minha

Sempre minha

Meu amor por você

É inigualável

E deverá me amar

Como a seu deus

Para toda a eternidade

Vendo aquela cena incrivelmente estúpida e surreal, eu saí correndo pela porta com o primeiro indício do pavor que sentiria apenas mais duas vezes até o final de minha vida.

O medo de sua velocidade sobrenatural. Parece estranho mas sua influência sobre mim foi tal que eu realmente achava que não importava o quanto eu corresse, ele iria me alcançar numa piscadela. Então entrei no carro ainda com aquele meu primeiro pavor, o primeiro de minha vida, e acelerei o mais rápido que pude, soltando um suspiro entrecortado pela tremedeira de meus lábios enquanto não o via saindo pela porta da casa. Finalmente estava livre daquela sensação, ele ficara no quarto com o corpo sem vida. Mas como eu disse antes, ainda teriam mais dois momentos em que eu sentiria aquele pavor horrível, e o segundo momento começou exatamente ali. Vi no espelho retrovisor um carro dirigindo alucinadamente, com os faróis acesos na escuridão, ziguezagueando por entre os outros carros e terminando seu caminho justamente na minha traseira, um choque violento que deslocou meu carro direto de encontro a um poste. Saindo do carro, milagrosamente vivo, olhei em direção de seu carro que estava a poucos metros de onde eu estava, o carro estava com a frente totalmente esmagada, mas ele já havia saído e dado à volta no resto do veículo, encontrando-se logo a minha frente, a alguns metros, mas novamente como se estivesse a apenas alguns passos. E de alguma forma ele havia conseguido arrancar o cano de escapamento de seu carro e agora o empunhava fumegante na mão canhota, erguido acima de sua cabeça. Instintivamente eu afastei meu rosto aterrorizado e neste exato momento eu senti aquele pavor ensandecido, do qual já falei antes, pela terceira e última vez, mas a tempo lembrei-me de que eu era na verdade um militar, e que estava ainda com meu uniforme, tendo saído a pouco do serviço e passado para visitá-la, e então saquei minha arma do coldre e atirei-lhe cinco tiros no rosto e pescoço bem a tempo de interromper sua corrida em minha direção. Ele lentamente parou e caiu no chão, ainda segurando o cano fumegante nas mãos, talvez o calor tivesse grudado o metal à sua pele. Descansei então quando lembrei-me de que havia chamado a polícia a poucos minutos e de que logo estariam ali para recolhê-lo. Mas quando percebo que fiquei por alguns muitos ou poucos minutos preso em meus pensamentos, relembrando todo o acontecido, vejo-o em pé às minhas costas, contrariando toda a minha lógica desenvolvida até agora, com o cano fundido ainda na mão canhota erguida, e nem sinal de sirenes, algazarra, populares curiosos. Vi apenas seus olhos pontiagudos em chamas, rodeados de balas, e mais uma vez, pela quarta vez, senti o pavor me tomando e gritei, me sentindo liberado, antes apenas do golpe certeiro e fatal.